quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Algumas considerações sobre a tal 'pureza doutrinária'



Autor Thiago D. Trindade

A busca pela “pureza doutrinária”, que se verifica no Movimento Espírita atual, levou a um distanciamento do sentimento humano. Lágrimas, por exemplo, são proibidas por alguns militantes do Espiritismo para não demonstrar fraqueza moral e falta de compromisso com a Doutrina. A falta de bom humor é considerada solidez moral. Como são famosas as lágrimas e piadas de Chico Xavier! Não foi o médium mineiro quem vivenciou integralmente o Espiritismo? Pode ser sério sorrindo, acenando e abraçando, e, moralmente fraco vivendo de semblante fechado e sem estender os braços, em um reflexo do que há dentro de seu Espírito imortal.

Há quem alegue que Jesus e os apóstolos não riam, abraçavam. Mas o primeiro feito do Cristo, conforme está registrado em João (2:11) quando a água é transmutada em vinho. Esse “milagre” foi em uma festa de casamento. Será que Jesus não deu nenhum sorriso, ou dançou com os convivas porque ele era o Cristo? Pensemos, a Bíblia tem tantas informações importantíssimas que seria perda de tempo lermos quantas vezes o Governador Espiritual do planeta gargalhou, assoviou ou penteou os cabelos.

Nos últimos anos vem surgindo autores espíritas que tem quebrado algumas correntes da “pureza doutrinária”, buscando conteúdo antes da forma. Reconhecendo trabalho de entidades espirituais fora dos padrões eurocêntricos, sobretudo registrando, como já escrito, a inserção de Espíritos que são ditos como “Entidades de uma religião específica” como Trabalhadores do Bem. Os Espíritos Trabalhadores do Bem, portanto não estão irremediavelmente anexos a determinado culto, mas a algo maior, tenha qual nomenclatura for. Muitos Espíritas, ainda com certo grau de espanto, se descobriram acompanhados espiritualmente por tais Entidades “presas a uma religião”, e perceberam o quão profundo é o conhecimento de tais Espíritos sobre a Doutrina Espírita, ou melhor, dos Ensinamentos de Jesus. Bem, nosso Mestre foi para a cruz, por obra dos fariseus que afirmavam que Jesus feria a “pureza doutrinária” do Judaísmo. Mais tarde, em defesa da mesma “pureza doutrinária” a Inquisição, que de santa não tinha nada, trucidou milhares de pessoas que divergiam de seus dogmas. E hoje continuamos vendo esse tipo de absurdo dentro de várias correntes, inclusive dentro do Espiritismo.

O leitor desavisado poderia concluir que estamos estimulando a “umbandização” (ou algo parecido) do Espiritismo. Longe disso! O “abrasileiramento” do Espiritismo começou com o Espírito Emmanuel, que procurou tornar a Doutrina mais compreensível a nós, através de atitudes cotidianas e pessoais. Nossa proposta é levar ao leitor a uma interessante percepção das práticas doutrinárias e de como isso pode ajudá-lo em sua evolução moral, a partir do não julgamento, da curiosidade salutar e da compreensão de que há uma grande variedade de olhares a respeito de uma Verdade, que é o Amor Fraternal.

Hoje grande parte do Movimento Espírita está engessado em duas péssimas características: soberba e distanciamento do sentimento. A primeira é porque muitos espíritas estão se julgando superiores moralmente em relação a membros de outras correntes filosóficas. O segundo está intensamente relacionado a primeira (não poderia ser diferente) e promove o afastamento interpessoal, a fim de não se demonstrar fraqueza ante as vicissitudes da vida.

Orar e vigiar, conforme ensina Jesus, não é abraçar a soberba e o distanciamento do sentimento. Orar é manter padrão mental elevado e a vigilância e estar preparado moralmente para vencer os obstáculos necessários a seu crescimento evolutivo. É participar intensamente do mundo e não se isolar dele – e de si próprio. Até porque, segundo o que encontramos no livro Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 17, oportunamente chamado Sejam Perfeitos, observamos que o verdadeiro espírita e aquele que se esforça em vencer suas más tendências, e, por conseguinte ascender moralmente. Ora, um católico, um protestante, umbandista, budista, etc. também não têm que vencer suas imperfeições da mesma maneira, esforçando-se?

Cristo assevera que seríamos reconhecidos como seus discípulos, unicamente, por muito nos amarmos, apesar de sermos tão diferentes uns dos outros. Kardec, embasado nessa verdade, asseverou “Fora da Caridade não há Salvação”, logo debater o que é ou não Espiritismo, conforme tanto se faz, acaba indo para o campo estéril da perda de tempo, gerando discussões improdutivas e até obsessões. A verdadeira pureza doutrinária, portanto, em cima dos ensinamentos de Jesus e reforçados por Kardec, é apenas a pureza do Amor Fraternal. Todo o resto, como já dito, é de menor importância.

Para finalizar a primeira parte, ficaremos com Allan Kardec, na obra “O que é Espiritismo”:

O que o Espiritismo mais toma a peito é evitar as funestas conseqüências da ortodoxia. A sua revelação é uma exposição livre e sincera de doutrinas, que nada têm de imutáveis, mas que constituem um novo estádio no caminho da Verdade Eterna e Infinita. Cada um tem o direito de analisar-lhe os princípios, que apenas são sancionados pela consciência e pela razão. Mas, adotando-os, deve cada um conformar com eles a sua vida e cumprir as obrigações que deles derivam. Quem a eles se esquiva não pode ser considerado como adepto verdadeiro. (KARDEC, 1859). (Grifo nosso).

  

3 comentários:

  1. Tiago finalizou 2016 e começou 2017 com verdadeiras pérolas! Parabéns professor!

    Vanessa Araújo, São Paulo

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  2. Texto excelente! atual e provocativo. Que os puristas revejam sua tosca posição, que é um verdadeiro desserviço à doutrina de Jesus.

    Carlos Alberto Dias da Costa.

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