domingo, 27 de março de 2016

Degustação de obra - O jardim (Livro Contos de Redenção)



Thiago D. Trindade

O jardim
“Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta.” Mateus 5: 23-24




O mestre estava prestes a completar cem anos. Sua lucidez e sabedoria brilhavam como o sol de verão, mas sua saúde declinava violentamente, desde o último inverno. Seus cinco discípulos, percebendo o fim do líder, procuraram cercá-lo de carinhos e cuidados. No entanto, dentro de cada um deles, a suspeita inflamava o coração e a mente. Logo se perguntavam quem seria o novo mestre.
O carinho sincero foi sendo substituído por adulação e gestos pretensiosos. Todos queriam saber quem iria suceder o líder do templo. O adoentado sábio apenas fitava, de sua janela, os jardins multicoloridos que se estendiam à volta do templo. Os dias passavam e o ancião enfraquecia cada vez mais.
- O mestre tem que anunciar seu sucessor! Exclamou Li a Ben Wu, enquanto ambos tomavam chá na cozinha.
- Pois sim – concordou Ben Wu, alisando sua longa barba grisalha – mestre Ig Fon tem que fazer o anúncio o quanto antes. E é certo que será a mim que cairá o encargo da liderança, já que sou o mais antigo e sábio.
- Ora! Ser velho não é título de nada! – retrucou Li, sarcástico – e sua sabedoria, hum, é mais voltada para o vinho, não é?
- Respeite-me tolo pervertido! Não acha que sei das suas libertinagens?! – rosnou Ben Wu, enfurecido – quando eu for o mestre, irei expulsá-lo do templo!
Imediatamente os dois se atracaram. Eram conhecedores de variadas técnicas, mas imersos em cobiça e rancor, lutaram meramente como dois animais. Por fim, munido de uma faca, Li degolou Ben Wu, que estava desarmado.
Os barulhos da briga haviam chamado a atenção de todos no templo e os outros três discípulos de Ig Fon vieram correndo. Estes renderam Li com violência e o encarceraram em seu quarto. Em silêncio, os três candidatos a mestre do templo pensaram intimamente que a boa fortuna os havia favorecido, eliminando imediatamente dois rivais. Restavam somente mais dois.
Irrompendo bruscamente pelo aposento de Ig Fon, que jazia imperturbável em seu simples leito, os três pupilos relataram o ocorrido entre Ben Wu e Li.
- Devemos entregar Li à Justiça. Ele merece apodrecer na cadeia. Disse Fang, de punhos cerrados.
- E enterrar Ben Wu entre os camponeses – emendou Mai Mai, meneando a cabeça em tom de reprovação – ele nos desonrou e não pode permanecer aqui no sagrado templo.
- Ben Wu e Li morreram para nós porque o mestre não anunciou o sucessor. Disparou Chen, arrogante.
Fang e Mai Mai fitaram Chen com o semblante perplexo. Fingindo escândalo, os dois reprovaram a atitude de Chen, enquanto o mestre apenas contemplava os jardins do templo. Aos olhos dos discípulos, o ancião de cabelos cor de pérola jamais parecera tão decrépito.
- A Justiça já está dentro de Li. Será ele atormentado até o fim de sua vida, e na próxima, por ter assassinado seu companheiro – respondeu finalmente Ig Fon com um fio de voz – Ben Wu será enterrado no jardim das cerejeiras, para que de seu malefício resultem coisas boas, que um dia irão testemunhar em favor dele próprio perante Deus. E eles não morreram para nós. Viverão dentro de nós para sempre, lindos como eram. Não achem que Ben Wu e Li brigaram tão somente por eu não ter anunciado meu sucessor, lutaram por não terem sido fortes o suficiente para não lutar. Esses dois filhos meus fracassaram. Por isso precisam de nosso amor.
Li foi banido do templo, embora o mestre nada tivesse disso. O antigo aluno de Ig Fon já estava sendo devorado pelo remorso do vil assassinato e desapareceu das vistas do templo. Ben Wu foi enterrado sob as copa frondosa de uma antiga cerejeira, pelas mãos solitárias do jardineiro, pois os três discípulos não estavam dispostos a sujar suas mãos por um fraco. Dias depois, camponeses informaram que Li se jogara da alta cachoeira de Nan-Qi. Bondosos homens do campo trouxeram o corpo destroçado de Li e os três alunos de Ig Fon disfarçaram seus sorrisos de satisfação e ironia, pois o beligerante Li não iria retornar com possíveis represálias.
O antigo mestre, ao saber da tragédia que se abatera, pediu que enterrassem Li, e novamente sozinho, o jardineiro se encarregou silenciosamente da tarefa. Li repousou ao lado de Ben Wu sob a copa da cerejeira.
Naquela mesma noite, Fang, Mai Mai e Chen jaziam sentados confortavelmente no grande salão, que estava vazio das vozes doces e vibrantes dos companheiros. Repararam também que o salão agigantara-se friamente sem o arrastar das chinelas e da voz rouca de Ben Wu e do timbre alto e vivaz de Li. Mas disso, os três não conversaram. Logo os pensamentos se tornaram ainda mais sombrios e não tardou para que refletissem que o decrépito Ig Fon se apegava demais à vida, em contradição ao que ele mesmo pregava nas lições. Concluíram, os três, que por temer morrer, Ig Fon se recusava nomear o sucessor.
- O mestre perdeu a sabedoria – disse Mai Mai – apega-se à matéria em demasia...
- Sim – disse Chen – Ig Fon se recusa a perceber que seu tempo passou. Somos amas de um velho senil. As pessoas da vila riem de nós, por isso que não nos procuram para resolver seus problemas. Dizem que vão esperar o mestre melhorar! Raios!
- O pior disso, acho eu – emendou Fang – fazemos tudo pelo velho e o que temos em troca? Ficamos vendo Ig Fon contemplar o maldito jardim!
- O que faremos então? Indagou Chen.
- Somos irmãos sob a tutela do mestre – continuou Fang, com uma sombra no rosto – seria fratricídio lutarmos um contra o outro. Exceto se abrirmos mão disso, aos olhos da sociedade...
- Entendo – disse Chen, espiando o casebre do jardineiro pela janela, que era iluminado por poucas velas – juremos agora que não somos mais irmãos!
- Assim poderemos lutar com nossas consciências tranqüilas – emendou Mai Mai, esfregando as mãos, ciente de suas habilidades – o vitorioso será o mestre! Ig Fon não poderá negar o templo ao seu último pupilo!
Juraram. Violentamente lutaram um contra o outro. Uma tempestade veio e castigou a região que era coroada pelo templo. Ao amanhecer, Fang subiu as escadas que levavam ao aposento humilde de mestre Ig Fon, deixando para trás Mai Mai e Chen trucidados. A porta do quarto foi aberta violentamente pelo sobrevivente e Fang viu seu mestre de pé, trajando suas vestes usuais de monge. Os tecidos de enfermo estavam devidamente dobrados aos pés da cama. O olhar de piedade de Ig não arrefeceu a gana destruidora de Fang.
- Sou seu último discípulo – disse Fang, com um brilho louco no olhar – me dê sua benção e parta dessa vida em paz!
- Discípulo, você diz! – devolveu Ig Fon, com a voz cheia de serenidade – pois sim. Você o é! Um aprendiz claudicante que não venceu os maus pensamentos...
O velho mestre caminhou lentamente para a janela e chamou Fang com um gesto. O sanguinário o seguiu em silêncio. Ambos viram o dia chegar luminoso, em mil cores. O ar fresco tocou as faces marcadas dos dois com bênçãos que Fang não podia perceber.
- Não há nada nesse jardim. Disse Fang.
- Há tudo nesse jardim! – devolveu Ig Fon, com a voz cheia da antiga vivacidade – aqui vemos a Lei de Deus. Não é fácil manter um jardim que é confiado a nós por Deus! Tirar a erva daninha, adubar e regar...até mesmo a poda, que não deixa de ser uma agressão, mas que objetiva conduzir a planta para melhor florescer e frutificar. O jardim é uma obra a serviço de Deus que requer disciplina, fé, compreensão e paciência. Em suma: amor. Amar a terra e os seres que nela habitam.
- Eu domino as técnicas e a filosofia. Atalhou o outro.
- Nós não dominamos nada – retrucou o ancião – pensei que tivesse alguma sabedoria, ainda que ínfima, Fang! Meu filho amado. Veja! As ciências do Homem não suplantam as ciências de Deus. Nunca! Nós devemos ser fiéis e perseverar com humildade e paciência. Estou morrendo. Como eu, você está morrendo na matéria. Nossos espíritos são imortais. Como você ousa pensar que meu tempo passou?
- Mas...Balbuciou Fang.
- Você e os outros resolveram, por comodidade e negação – prosseguiu Ig Fon – que havia chegado a hora de uma nova estrela brilhar. Não é assim! Vocês esqueceram que brilhavam há muito tempo! Agora quantas estrelas brilham meu filho?
Fang baixou a cabeça. Lembrou-se de inúmeras crianças que tratara com seus medicamentos e dos alunos que tinham aprendido ciências com ele. Sentiu vergonha.
- Tudo, na verdade, é um jardim – disse mestre Ig Fon pondo suas mãos encarquilhadas nos ombros do pupilo – vocês esqueceram disso. Vocês eram sábios e felizes e se tornaram tolos e vis. O jardim da alma de vocês infestou-se de pragas.
- O senhor sabia que isso iria acontecer. Sentenciou Fang com súbito assombro.
- Sim. Sempre soube de suas más tendências – respondeu o ancião – eu também as tenho. Porém não permiti que as ervas daninhas tocassem meu coração. Um trabalho árduo que ainda não acabou, meu filho.
- Como iria escolher seu sucessor? Indagou Fang, com lágrimas a rolar em seu rosto.
- Não iria escolher – resumiu Ig Fon – Deus é quem escolhe. Sempre. Quando a pessoa está pronta, o trabalho surge.
- E agora – ponderou Fang – o que acontecerá, já que só eu restei?
- Não entendeu ainda? – sorriu Ig Fon – o jardineiro pode ser qualquer um. Mas não é qualquer um que pode ser jardineiro. Para ser jardineiro é necessário que se saiba amar...
Os olhos dos dois homens pousaram no pequeno jardineiro que caminhava lentamente por entre as flores, sem esconder a satisfação. Ele sentia o júbilo que Deus enviava para toda a Terra. Não conhecia as minúcias de filosofia e das técnicas, mas conhecia o amor.
Vencido por si mesmo, Fang beijou as mãos veneráveis do velho mestre e saiu do templo. Iria dedicar sua vida a busca do Amor. Ele viajou por muitas terras, viu alguns dos inúmeros reinos dos Homens, e por fim, desapareceu.
O jardineiro Bai foi alçado a mestre do templo e sua administração foi justa e cheia de amor. O vale floresceu e as pessoas eram felizes. Certo dia mestre Bai caminhava por entre as flores do jardim e se deparou com um velho mendigo. Apoiado em um cajado, o estranho andarilho ajudou um filhote de passarinho a voltar para o ninho.
- Tudo tem seu lugar no mundo, avezinha. Balbuciou o velho andarilho.
- Temos sopa, amigo – convidou mestre Bai – me daria um imenso prazer sua companhia.
- Que lugar é esse? Indagou o mendigo.
- Este é o templo de Nan-Qi. Respondeu o venerável mestre Bai.
Lágrimas sobrevieram ao rosto emaciado de Fang, que não havia reconhecido o lugar belo em que vivera. Sempre fora cego para os jardins, e lá estava ele, caminhando por entre as azaléias e jasmins, sob as copas das árvores que desprezara por tantos anos!
Dando meia volta, envergonhado, Fang tentou alcançar a estrada.
- Fang – disse Bai – não quer ir ver onde descansa mestre Ig Fon?
De cabeça baixa, Fang não conseguiu se mover. Gentilmente, mestre Bai conduziu o andarilho até a velha cerejeira, que havia adquirido ainda mais estatura, ao longo dos vários anos. A árvore, percebeu o mendigo, estava em sua majestade máxima, pois flores cintilantes refletiam a luz do sol e, de fato, era um cenário que fez os dois velhos permitirem lágrimas correr pelas faces marcadas.
- Meste Ig Fon amava tanto seus últimos discípulos que pediu para ser enterrado com eles – disse Bai – você aprendeu muito sobre o amor. Falta apenas entender que amar a si próprio também é importante. Perdoe-se!
- Como posso me perdoar? Indagou Fang.
- Quando encontrar a paz, terá se perdoado. Respondeu Bai.
Assim foi que mestre Bai empregou Fang como jardineiro do templo, e este, que já havia entrado na estrada da Felicidade, encontrou a paz interior. Por alguns anos, Fang cuidou do jardim, até que resolveu ir até a cerejeira repleta de frutos e ajoelhou-se a seus pés. Redimido de si mesmo, Fang morreu. O antigo assassino foi sepultado ao lado de seu mestre e irmãos e flores brancas surgiram sobre seus túmulos.
Nos seus últimos dias de vida, mestre Bai dizia a seus discípulos que costumava ver mestre Ig Fon e seus alunos caminhando pelos jardins, cuidando e tratando dos pequenos seres que ali habitavam, aprendendo sobre o Amor.
É preciso não confundir a fé com a soberba. A fé verdadeira é uma aliada da humildade, e aquele que a possui confia mais em Deus do que em si próprio. Quem possui a fé verdadeira sabe que é um simples instrumento da vontade de Deus e que nada pode sem Ele, e é por isso que os bons Espíritos vêm em seu auxílio. A soberba é muito mais um sinal de orgulho do que de fé; o orgulho, mais cedo ou mais tarde, é sempre castigado pela decepção e pelos fracassos que lhe são impostos.
Fragmento retirado do Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XIX, O poder da fé. Item 4.
EM “Contos de Redenção”, comercializado em prol do Asilo e Creche Seara de Luz.
http://www.candeia.com/contos-de-redencao-exemplos-de-hum…/p

terça-feira, 8 de março de 2016

Mágoa





autor Thiago D. Trindade




Pelo dicionário Aurélio, mágoa significa desgosto, amargura, descontentamento, desagrado. Magoar, por sua vez, entende-se por ferir, melindrar, ofender.

A mágoa, ou desgosto está presente no cotidiano humano. Diariamente magoamos ou somos magoados. E geralmente por pequenas coisas. Costumamos ferir para que nosso ego brilhe.

Mas o dedicado aprendiz do Evangelho do Cristo entende que a mágoa dificulta o crescimento espiritual. Como assim? Como ficar magoado, ou desgostoso, pode atrasar nossa vida?

Simples. A pessoa magoada direciona uma certa quantidade de energia mental ao ofensor, prejudicando-o, e assim aumentado-se o débito kármico. Para fixar melhor de como nós devemos proceder quanto a não nos tornarmos pessoas continuamente magoadas, ou infelizes, ficamos com três frases de Jesus:

“Perdoar setenta vezes sete vezes”
“ Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem.”
“Ficarão aqui até que paguem o último centavo.”

Podemos resumir essas três imortais frases do Cristo em uma palavra só:
PERDOAR
A mágoa gera quase todos os casos obsessivos. Começa mais ou menos assim: uma pessoa ofende a outra, por determinado motivo e o ofendido sufoca-se em mágoa. E assim alternam as reencarnações, com a tristeza afogando a ambos. Somente o perda sincero pode dar um basta nesse ciclo de sofrimento.

E é bom lembra que a pessoa imersa em mágoa intoxica tanto seu corpo espiritual, que acaba por exteriorizar no corpo material.  Saibamos que todos os nosso males estão em nossa mente enferma. Algumas pessoas chegam a desencarnar por conta do ressentimento, e vão parar nas zonas umbralinas como suicidas, devido a destruição do próprio corpo.

A saudosa médium Yvonne Pereira, na excelente obra “Dramas da Obsessão”, de autoria espiritual de Bezerra de Menezes, vemos um caso que se iniciou na tenebrosa era da Inquisição. Nessa trama, vemos uma família de judeus, povo perseguido duramente por séculos, ser massacrada da pior forma por alguns líderes religiosos que cobiçavam o patrimônio material e a jovem filha do chefe do clã.
Séculos depois, os Espíritos dos antigos judeus, deformados pela mágoa, obsediavam os inquisidores reencarnados, que já sofriam penosamente pelos seus atos do passado, sem a necessidade do ataque do Espírito Aboab, convertido em perigosíssimo obsessor. Com a orientação dos Espíritos Bezerra de Menezes e Ester (a jovem moça que não se entregara ao desespero e por conta disso, conseguiu evoluir espiritualmente), Aboab e seus filhos libertaram a si mesmos da mágoa opressora, permitindo qu os antigos inquisidores prosseguissem o resgate de seus pesados débitos. Ressaltamos que o perdão foi fundamental no processo e que a linha norteadora do trabalho foi o Evangelho do Cristo. Nesse livro, e é bom que se diga, foi editado pela Federação Espírita Brasileira, encontramos o nobre Espírito de Santo Antônio de Pádua, que coordena uma grande falange de Espíritos de Crianças, que se manifestam com as cores rosa e azul, com flores nas mãos e muita delicadeza. Tal falange tem por missa acalentar os corações doloridos. Qualquer comparação com os Espíritos que se manifestam como Crianças na religião Umbanda não é mera coincidência.

Temos de aceitar que não existem vítimas de um lado e algozes do outro. Existem irmão que precisam de carinho. Precisam de perdão. Nós temos a responsabilidade de dar o primeir passo, já que nos propomos a seguir o Cristo. Devemos quebrar as correntes que nos prendem as dores  sermos livres em nossa consciência. E, para quebrar as correntes da dor, lembremos Jesus:
“ Perdoar setenta vezes sete vezes.”
“Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem.”
“Ficarão aqui até que paguem o último centavo de nossas dívidas.”

Ou seja, AMAR.