quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Um certo jovem de Assis



Autor Thiago D. Trindade

Antes de refletirmos sobre Giovanni di Pietro di Bernardone, ou Francisco de Assis, como preferem alguns, devemos primeiro entender brevemente o contexto histórico em que esse homem viveu, que pode ser observado em qualquer livro de História do Ensino Médio.

A espiritualidade europeia estava auto aprisionada em mosteiros, desenvolvendo-se de forma introvertida e contemplativa. O pensamento erudito era pessimista em relação ao mundo e a Humanidade. Para eles, o mundo e a Humanidade, em essência, eram maus.

Mas esses mosteiros eram ainda centros de conhecimento profundo, com vastas bibliotecas e muito do que se conhece de literatura e História é graças ao trabalho dos mestres copistas, que também dominavam o pensamento abstrato, o teológico e também a Psicologia.

Embora os monges fossem pessoalmente pobres, suas Ordens eram ricas, proprietárias de terras e ouro, graças as doações na nobreza e do povo.

O pensamento corrente era de que a vida de monge era garantia para a entrada no Paraíso. Muitos leigos, após uma vida imoral, doavam grandes somas de dinheiro e iam para a clausura eclesiástica, certos de que o Paraíso lhes aguardava como príncipes.

Podemos observar que esse pensamento até então em vigor vai contra o pensamento do Cristo. E um franzino italiano iria lembrar a dominante Igreja disso.

Na época de Giovanni Bernardone, o modelo feudal declinava em favor da burguesia mercantil. Seu pai, Pietro Bernardone, era um poderoso comerciante.

Nascido em berço de ouro, o jovem Giovanni, que era apelidado de Francesco (que significa francês em italiano), ou para nós, Francisco, cresceu ao sabor do desregramento.

Com gosto pelas fortes emoções, foi soldado. Acabou prisioneiro e contraiu problemas de saúde que o acompanharam pelo resto de sua encarnação.

Mas, espera aí! Um homem que é até hoje conhecido pela sua mansidão era um arruaceiro e soldado mercenário? É, ele foi.

Se observarmos a História Cristã, vemos que muitos dos maiores auxiliares de Jesus eram os mais mundanos que a Humanidade tinha a oferecer: Pedro, era violento, teimoso e preconceituoso; Mateus e Zaqueu, temíveis publicanos, e, Paulo, que fora fariseu e implacável perseguidor de cristãos são alguns exemplos a serem lembrados aqui.

O Cristo sempre gostou de pegar um punhado de carvão, pretensamente, insignificante, e o transformava em reluzente diamante, que refratava as luzes celestes.

Simples assim.

Como sabemos, o Mestre Galileu chegou a cada um desses citados de forma única. E foi quando Francisco partia para sua segunda guerra, após sonhar com uma bela donzela, um opulento castelo e com um exército a lhe servir, que uma voz lhe indagou: “Quem te pode ser de maior proveito, o senhor ou o servo?” Sem hesitar, o jovem escolheu o “senhor”, mas a “voz” o estimulou a regressar ao lar com a promessa de que haveria uma orientação a ser dada.

Essa foi, certamente, a primeira vez que o povo olhou Francisco com desconfiança, pois praticamente  desertara. Seu pai, muito provavelmente, gastou uma razoável soma de dinheiro pagando propinas para que as autoridades esquecessem as acusações de deserção do exército papal.

Mas não foi daí que Francisco saiu praticando a Caridade.

Antes o jovem, em uma caverna, procurou entender o que se passava com ele. Procurou meditar, autoanalisar-se, ou, como dizemos hoje em dia, procurar sua Reforma Íntima (que aliás deve ser construída aos poucos).

Se para nós é difícil o conceito de Reforma Íntima, apesar de todas as informações que temos, imaginemos o quão difícil era para um jovem, na Idade Média, numa Era onde havia somente uma corrente de pensamento filosófico, e que qualquer coisa diferente era considerado crime passível de morte.

Embora Francisco não compreendesse sua própria vida, brotava nele o desejo de servir. Tanto que caminhando na mata, deparou com um leproso (que até hoje essa doença é vista como uma “maldição divina”) e deu-lhe seu rico manto. E mais, deu-lhe um beijo no rosto retorcido.

Foi um gesto impulsivo, como sabemos, mas que o satisfez. E essa sensação lhe era inédita e verdadeira.

Chegando à Igreja de São Damião, ouviu a Voz do Cristo, a partir de um pequeno crucifixo, que lhe pediu para reformar a igreja. Afoito, o jovem não refletiu sobre qual Igreja falara o Cristo, embora depois ele descobrisse que o Mestre se referia à reformar o mundo. Francisco saiu veloz da igrejinha e regressou à loja do pai, que estava ausente. Tomando os caros tecidos do negócio familiar, vendeu-os a baixo preço na feira para o povo, que logo após o taxou de louco e, em seguida, o apedrejou. Salvo pelo pai, foi confrontado por ele, que não compreendia o gesto e as motivações do filho.

Nesse momento, que é celebrado sempre que fala em Francisco de Assis, o jovem despiu-se de suas belas roupas que usava.

Agora sim, Francisco estava pronto para iniciar o serviço do Cristo, pois as vestes ricas, pesadas e limitantes, significavam o abandono do Homem Velho que todos nós devemos despojar.

Francisco, portanto, seguia o Ensinamento do Cristo: “... dê tudo que tens e me segue” (Mateus, 20:21). Mas esse revolucionário italiano precisava beber mais da fonte doutrinária de Jesus. Sua reestruturação mental e moral ainda estava frágil. Afinal era jovem e a rejeição de sua família e sociedade vergastavam-lhe a alma que ansiava por luz.

Buscou aprofundar suas meditações nos Ensinos do Cristo, mas não procurou mosteiro algum. Francisco procurou por Jesus nas vilas pobres, nos doentes e miseráveis de todas as cores. Encontrou na miséria do mundo a luz do Cristo.

Francisco entendeu que Jesus concedia a todos, sem distinção, a oportunidade de entrar no Reino dos Céus.

O missionário sabia que iria atravessar tempestades, pois o Evangelho de Jesus já era, há muito tempo, deturpado para atender interesses egoístas. Como solução, Francisco não procurou debates teóricos, pois sabia que não era páreo para os articulados doutores da Igreja.

Preferiu, o jovem, fazer do trabalho em nome do Cristo o seu cartão de visitas, logo, sua Tese.

Apesar das dificuldades, seu plano prosperou e chegou a fundar a Ordem dos Frades Menores, que fazia o impressionante voto de pobreza absoluta.

Francisco se preocupava bastante em seguir os Ensinos do Nazareno. Usava, a exemplo do Mestre Galileu, austeridade máxima consigo mesmo e de enorme condescendência para com o próximo.

Chamava o corpo de “Irmão Burrico” e o frade ensinava que a Moralização era fundamental para a Felicidade Futura. O jovem seguidor do Cristo ainda afirmava que o corpo era uma das mais belas obras de arte, já que tínhamos sido feitos à imagem e semelhança de Deus. Dessa forma, Francisco de Assis, se antecipou aos mestres renascentistas que só viriam séculos depois.

Para Francisco, o corpo é um Templo de Deus e o mundo em si é outro Templo que deve ser conservado e honrado em nome do Criador.

O frade se descobriu pequeno como um grão de mostarda ante a grandeza da Obra de Deus. Percebeu que era um integrante, e não o senhor da Natureza, como nos esclarece a questão 540 do Livro dos Espíritos e o Capítulo 10 de A Gênese, integrantes da Codificação Espírita. Para esse Servidor do Cristo, a Criação está intensamente conectada.

O manso italiano era, em plena Idade Média, o primeiro ecologista. Na obra conhecida como “O Cântico ao Irmão Sol” ou “Cântico das Criaturas”, vemos acertadamente o jovem de Assis chamar o vento, o sol, o lobo, as árvores de irmãos, já que como nós, foram criados pelo Amor Divino.

A Paciência, A Perseverança, A resignação, A Humildade e a Fé de Francisco eram admiráveis. Enfrentou as dificuldades com uma firmeza inferior somente à Paixão de Cristo e ao sofrimento dos primeiros mártires do Cristianismo, conforme assinalam alguns estudiosos.

Seu desconforto físico era uma constante. Sua visão, cada vez pior, somada aos problemas estomacais, lhe agrediam dia e noite. Muito semelhante a outro Francisco, nascido no Brasil, em início do século 20...

Quanto de nós ousam seguir o Evangelho do Cristo que nos manda amar irrestritamente?

Meditemos sobre isso.

Meditemos se nossa paciência, perseverança, resignação e fé não precisam ser mais desenvolvidas com estudo e trabalho.

Por que nós não tiramos de nossos desconfortos físicos a força necessária para trabalhar para nós mesmos e inspirar os outros?

Nos últimos anos, Francisco de Assis é lembrado somente como Protetor do Meio Ambiente. Na verdade, o frade trabalhou intensamente com leprosos, alienados e famintos. Chamava a Morte, o Desencarne, de Irmã e sorria para ela, pois sabia que era um gesto de Deus.

Francisco sabia que o desencarne era fundamental para o desenvolvimento Moral\Espiritual da Humanidade. Como Amigo da Morte, o frade levava a mensagem de Jesus de que nada se leva deste mundo se não as ações praticadas, fossem boas ou más. O Trabalhador do Cristo lembrava que a vida na Terra era o tempo de semear.

Certamente com um pouco de severidade, o leal Servidor ensinava ao povo que não se negociava o Reino dos Céus, apesar dos apelos da dominante Igreja, mas somente o serviço ao próximo era capaz de levar uma alma ao Paraíso. Francisco, em suas simples palavras, enfatizava o ensinamento de Jesus que fazia alusão que se fizesse o menor dos servidores, será digno do Reino dos Céus. (João, 13: 1-11).

Por gestos e palavras, Francisco ensinava que era necessário morrer para os excessos mundanos, entraves para a entrada no Reino dos Céus. Francisco ensinava que o mais sublime sinônimo de Amor é o Perdão, que tem por igualdade de significado: o Carinho, a Compreensão, a Empatia, o Servir.

Acreditamos que é assim que Francisco de Assis deve ser lembrado – e estudado – pelo seu exemplo em despir-se dos entraves limitantes de sua evolução pessoal.

Seguidores de seu exemplo em Servir, infelizmente, são poucos: Adolfo Bezerra de Menezes, Cairbar Schutel, Eurípedes Barsanulfo, André Luiz, Chico Xavier, Irmã Dulce, Tereza de Calcutá, Gandhi, Frei Damião, e uns poucos...

E onde quer que esses Missionários estejam, nos conclamam a seguir o Cristo, primeiro dentro de nós mesmos e, em seguida, em nossa família.

E, quando menos esperarmos, estaremos contemplando a luz divina de braços dados com toda a Humanidade e, conheceremos a bela dama, de nome Felicidade; conheceremos o Castelo do Reino dos Céus; e tomaremos parte do exército de companheiros de Francisco de Assis, elementos sonhados  anos antes, quando partia para a guerra, em solo italiano.

O pequeno frade nos ensinou que Estudar e Trabalhar; Trabalhar e Estudar são fundamentais para Servir melhor ao próximo.

E Servir melhor ao próximo é:

AMAR
AMAR
AMAR

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