quarta-feira, 29 de junho de 2016

Pedra sobre Pedra



Autor Thiago D. Trindade



No ano de 64 Depois de Cristo, o jovem mundo cristão ardia. Acusados pelo imperador Nero, cujo sadismo o imortalizou nos livros de História, os discípulos de Jesus foram acusados de tentar destruir Roma por meio de incêndio. Foi no início dos tenebrosos anos de duras perseguições aos cristãos. No funesto Circo Máximo, sabemos, pereceram inúmeros homens, mulheres e crianças que haviam adotado os ensinamentos libertadores do Rabi da Galiléia como Caminho para a Verdade, que, enfim levaria para a Vida em luz.

Por entre as cinzas da cidade fumegante, um homem velho, com uma idade quase impossível naqueles dias da Antiguidade, se sentou sobre uma pilha de destroços. Era seu corpo enrugado e frágil, com a alva barba imunda de fuligem e sua longa testa maçada por muitos anos de trabalho incansável. Sentado em meio as ruínas, bem no coração do cruel império romano, o velho homem viu o trabalho de sua vida, desde que renascera no Gólgota, quando seu Mestre triunfava sobe a cruz infame, desfazer-se em cinzas.

O ancião alquebrado lembrou-se de Paulo. O vigoroso homem de Tarso, que lhe fora adversário um dia e que os ensinamentos do Nazareno o havia convertido em um verdadeiro irmão de alma. A sabedoria de Paulo, bem como sua capacidade organizacional criara verdadeiras estradas e núcleos onde fervilhavam os ideais cristãos. Mas agora, naquela tragédia crua, Paulo se fora, degolado. Timóteo e Anacleto estavam desaparecidos e até mesmo o valoroso Lucas também tinha seu paradeiro desconhecido.

Sentindo as duras pedras que formavam o chão da rua, sob seus pés descalços, Pedro não segurou as lágrimas amargas em seus olhos insones. Sentia-se imensamente velho e fraco. Por que fora poupado? Como ele, velho, quebrado, esquecendo-se das coisas, poderia servir ao Mestre? Nem de longe tinha o brilhantismo de Paulo para compensar as limitações físicas. Tampouco possuía sua famosa força física de outra, que controlara o barco absorto pela fúria da tempestade que abatera sobre ele e seus companheiros no lago de Genezaré. Era apenas um velho.

Seus dedos nodosos, sem que ele percebesse, tomaram uma pedra escura de fuligem. Com sua parca força, apertou aquele fragmento. Aquele material, repentinamente, pareceu ser inabalável. As pedras da rua pareceram rígidas e indestrutíveis sob os pés frágeis do ancião venerável, que tinha cerca de setenta anos. O velho lembrou-se do Mestre, que o ensinara a caminhar sobre as águas e a curar os doentes. O antigo hebreu recordou que seu nome não era mais Simão, mas Pedro, a Rocha.

Com dificuldade, Pedro se pôs de pé. Com a pedrinha em sua mão esquerda, o discípulo do cristo apoiou-se no cajado que costumava usar. Com seus olhos embaçados, obsrvou lentamente as colunas de fumaça fétida que cobriam toda Roma. Soube, o venerável ancião, que não fora convocado para junto de seu Mestre, pois ainda havia serviço a ser feito. Pessoas precisavam de consolação, bem como ele próprio e tinha a absoluta certeza que suas lágrimas só seriam removidas quando limpasse o pranto dos outros.

Nem de longe, Pedro tinha sua força física, que o levara por longas estradas. Tampouco tinha a erudição de Paulo. Tinha apenas sua força de vontade e lealdade que seriam lendárias, no futuro. Subitamente, o velho Pedro sentiu o ar fresco de sua Cafarnaum, que jamais veria naquela encarnação. Pareceu ouvir as vozes dos antigos companheiros, o jovial João, ainda mal saído da infância, o austero Tiago , desaparecidos há muito, lhe endereçavam vibrações de confiança.

Pela terceira vez chegava a mudança para Pedro. Novas formas de consolar, novas maneiras de se praticar a fé precisavam ser encontradas. Precisava reunir aqueles que tinham escapado do fogo e do Circo Máximo. O legado do cristo e o serviço dos companheiros que haviam se ido precisavam ser preservados. As pedras, observou o ancião, que foram atiradas contra os cristãos, usadas para ferir, seriam todas apanhadas. Seriam usadas para construir abrigos, pontes e até mesmo servir de alimento, pois em suas encarquilhadas mãos, aquela peça inanimada seria convertida em pura luz a acalentar o sofrimento alheio.

Pedra sobre pedra, Pedro edificou a Casa de Luz do Nazareno dentro de nossos corações. Não usou como desculpa a idade, a saúde, o intelecto. Fez o possível, tendo sempre em mente o Bem maior. Ele não temeu quando foi preso e condenado. E com a galhardia que lhe era peculiar, ainda saiu daquela encarnação ensinando aos carrascos sobre humildade por não querer ser executado da mesma maneira que seu Mestre. Não é à toa que Pedro é hoje um dos principais auxiliares do Cristo na administração deste planeta, nos incentivando a abandonar o materialismo e a abraçar a espiritualidade com o Cristo. Como ele mesmo fez, há tantos anos atrás.


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