sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Sócrates e a imortalidade da alma


Texto retirado na íntegra da Revista Cristã de Espiritismo

Por Luiz Antonio de Paiva




 
A personalidade única de Sócrates sempre me fascinou. Quando criança, lendo avidamente os livros de Monteiro Lobato sobre mitologia grega e a Grécia Antiga, entrei em contato com personagens importantes do IV século antes de Cristo, tais como Péricles, Platão, Sócrates, Fídias e outros. Sócrates destacou-se entre os demais, pois, bem retratado por Monteiro Lobato, era aquela figura cheia de bonomia e sapiência, mas de intelecto ágil e de atitudes sempre coerentes. Sobretudo coerentes! A imagem traçada por Platão não fugiu destas principais características.

Sócrates, à semelhança dos existencialistas heróicos do século XIX Albert Schweitzer, Leon Tolstoi, Martin Buber e mesmo Mahatma Gandhi, no século XX, procurou viver o que acreditava ser a verdade, por mais utópica que esta parecesse ser para a sua época.

No seu tempo, era a personalidade controversa, pois contrariava, com sua dialética impecável e honesta, figurões de todos os partidos e sofistas de todas as escolas. Não especulava como estes, mas vivenciava sua filosofia. Era amado por uns e odiado por outros, influentes e poderosos.

Andava pelas ruas de Atenas cercado por grupos de discípulos, jovens e homens maduros. Ensinava-os a pensar coerentemente e dizia que a verdade  já se encontrava dentro deles. Em homenagem á sua mãe, uma parteira, chamou o seu método de maiêutica, em grego, significa parir. Ou seja, a arte de fazer parir a verdade do interior do homem.

Numa época de grandes manifestações de vaidade intelectual, principalmente na escola dos sofistas, apagava essas fogueiras de vaidade com dizeres “só sei que nada sei”, colocando seus opositores numa verdadeira injunção paradoxal, isto é, sem saída. Ou reconheciam em Sócrates a modéstia, apanágio da sabedoria, ou reconheciam que, na verdade, ele sabia mais do que dizia.

Em sua vida privada praticava o que ensinava: o cultivo primacial dos valores do espírito, da honestidade, da fraternidade, do desapego, da simplicidade e da busca sincera pela verdade. Desdenhava da crença nos deuses míticos e nos seus poderes, mas reafirmava a crença da imortalidade da alma e na manifestação dos espíritos dos chamados mortos. Ele próprio dizia ter um “daimon” (espírito) que o inspirava.

Em 399 A.C., perante o Tribunal dos Heliastes, foi condenado à morte por “corromper” a juventude, argumentando, os seus pérfidos acusadores que seus ensinamentos contrariavam as tradições, principalmente as religiosas da cidade de Atenas. A maioria dos seus juízes, entretanto, queria tão somente a humilhação de Sócrates, quando este, buscando livrar-se da morte, se retratasse e reconhecesse o seu suposto crime, desmoralizando-se perante seus discípulos.

Não foi esta a reação de Sócrates.

Sua defesa foi apenas mais um ensinamento para os discípulos, juízes e a posteridade: “não tenho outra ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas”.

Condenado à morte por envenenamento, com a ingestão de cicuta, permaneceu por 40 dias, tempo mais do que suficiente para que seus discípulos e amigos influentes conseguissem uma maneira de liberta-lo. Uberto Rhodes nos relata os fatos com extraordinária qualidade dramática:
Às vésperas da execução de Sócrates, seus amigos finalmente conseguiram subornar o carcereiro. Críton, o mais impetuoso dos discípulos, entrou na cadeia e disse ao mestre:

- Foge depressa, Sócrates!
- Fugir por quê – perguntou o preso.
- Ora, não sabe que amanhã vão matar você?
- Matar-me? A mim? Ninguém pode me matar!
- Sim, amanhã você terá de beber a taça de cicuta mortal – insistiu Críton – vamos, mestre, foge depressa para escapar da morte!
- Meu caro amigo Críton – respondeu o condenado – que mau filósofo você é! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim...

Depois, puxando com os dedos da pele da mão, Sócrates perguntou:
- Críton, você acha que isso aqui é Sócrates?

E batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou:
- Você acha que isso aqui é Sócrates?

- Pois é isso que eles vão matar, este invólucro material; mas não a mim. Eu sou minha alma. Ninguém pode matar Sócrates!

Sócrates ficou sentado na cadeia aberta, enquanto Críton se retirava chorando, sem compreender aquilo que ele considerava teimosia ou idealismo do mestre.

No dia seguinte, quando o sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a sensibilidade, Críton perguntou-lhe, entre soluços:
- Sócrates, onde você quer que enterremos você?

Ao que o filósofo, semi consciente, murmurou:

- Já disse para você, amigo, ninguém pode enterrar Sócrates...Quanto a este invólucro, enterre-o onde voc~e quiser. Não é eu... Eu sou a minha alma!

E realmente foram tranqüilos os últimos instantes de Sócrates. Seu semblante irradiava paz e serenidade. Ainda indagado de suas últimas impressões, Sócrates revelou o que lhe ia à mente, coerente com tudo que pregara e com sua íntima convicção na imortalidade da alma: “todo homem que chega aonde vou agora, quão enorme esperança não terá de que possuirá ali o que buscamos nesta vida, com tanto trabalho! Este é o motivo pelo qual esta viagem que ordenam me traz tão doce esperança!”



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