Texto retirado na íntegra da
Revista Cristã de Espiritismo
Por Luiz Antonio de Paiva
A personalidade única de Sócrates
sempre me fascinou. Quando criança, lendo avidamente os livros de Monteiro
Lobato sobre mitologia grega e a Grécia Antiga, entrei em contato com
personagens importantes do IV século antes de Cristo, tais como Péricles,
Platão, Sócrates, Fídias e outros. Sócrates destacou-se entre os demais, pois,
bem retratado por Monteiro Lobato, era aquela figura cheia de bonomia e
sapiência, mas de intelecto ágil e de atitudes sempre coerentes. Sobretudo
coerentes! A imagem traçada por Platão não fugiu destas principais
características.
Sócrates, à semelhança dos
existencialistas heróicos do século XIX Albert Schweitzer, Leon Tolstoi, Martin
Buber e mesmo Mahatma Gandhi, no século XX, procurou viver o que acreditava ser
a verdade, por mais utópica que esta parecesse ser para a sua época.
No seu tempo, era a personalidade
controversa, pois contrariava, com sua dialética impecável e honesta, figurões
de todos os partidos e sofistas de todas as escolas. Não especulava como estes,
mas vivenciava sua filosofia. Era amado por uns e odiado por outros, influentes
e poderosos.
Andava pelas ruas de Atenas
cercado por grupos de discípulos, jovens e homens maduros. Ensinava-os a pensar
coerentemente e dizia que a verdade já
se encontrava dentro deles. Em homenagem á sua mãe, uma parteira, chamou o seu
método de maiêutica, em grego, significa parir. Ou seja, a arte de fazer parir
a verdade do interior do homem.
Numa época de grandes
manifestações de vaidade intelectual, principalmente na escola dos sofistas,
apagava essas fogueiras de vaidade com dizeres “só sei que nada sei”, colocando
seus opositores numa verdadeira injunção paradoxal, isto é, sem saída. Ou
reconheciam em Sócrates a modéstia, apanágio da sabedoria, ou reconheciam que,
na verdade, ele sabia mais do que dizia.
Em sua vida privada praticava o
que ensinava: o cultivo primacial dos valores do espírito, da honestidade, da
fraternidade, do desapego, da simplicidade e da busca sincera pela verdade.
Desdenhava da crença nos deuses míticos e nos seus poderes, mas reafirmava a
crença da imortalidade da alma e na manifestação dos espíritos dos chamados
mortos. Ele próprio dizia ter um “daimon” (espírito) que o inspirava.
Em 399 A.C., perante o Tribunal
dos Heliastes, foi condenado à morte por “corromper” a juventude, argumentando,
os seus pérfidos acusadores que seus ensinamentos contrariavam as tradições,
principalmente as religiosas da cidade de Atenas. A maioria dos seus juízes,
entretanto, queria tão somente a humilhação de Sócrates, quando este, buscando
livrar-se da morte, se retratasse e reconhecesse o seu suposto crime,
desmoralizando-se perante seus discípulos.
Não foi esta a reação de
Sócrates.
Sua defesa foi apenas mais um
ensinamento para os discípulos, juízes e a posteridade: “não tenho outra
ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que
cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas
almas”.
Condenado à morte por
envenenamento, com a ingestão de cicuta, permaneceu por 40 dias, tempo mais do
que suficiente para que seus discípulos e amigos influentes conseguissem uma
maneira de liberta-lo. Uberto Rhodes nos relata os fatos com extraordinária
qualidade dramática:
Às vésperas da execução de
Sócrates, seus amigos finalmente conseguiram subornar o carcereiro. Críton, o
mais impetuoso dos discípulos, entrou na cadeia e disse ao mestre:
- Foge depressa, Sócrates!
- Fugir por quê – perguntou o
preso.
- Ora, não sabe que amanhã vão
matar você?
- Matar-me? A mim? Ninguém pode
me matar!
- Sim, amanhã você terá de beber
a taça de cicuta mortal – insistiu Críton – vamos, mestre, foge depressa para
escapar da morte!
- Meu caro amigo Críton –
respondeu o condenado – que mau filósofo você é! Pensar que um pouco de veneno
possa dar cabo de mim...
Depois, puxando com os dedos da
pele da mão, Sócrates perguntou:
- Críton, você acha que isso aqui
é Sócrates?
E batendo com o punho no osso do
crânio, acrescentou:
- Você acha que isso aqui é
Sócrates?
- Pois é isso que eles vão matar,
este invólucro material; mas não a mim. Eu sou minha alma. Ninguém pode matar
Sócrates!
Sócrates ficou sentado na cadeia
aberta, enquanto Críton se retirava chorando, sem compreender aquilo que ele
considerava teimosia ou idealismo do mestre.
No dia seguinte, quando o
sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a
sensibilidade, Críton perguntou-lhe, entre soluços:
- Sócrates, onde você quer que
enterremos você?
Ao que o filósofo, semi
consciente, murmurou:
- Já disse para você, amigo,
ninguém pode enterrar Sócrates...Quanto a este invólucro, enterre-o onde voc~e
quiser. Não é eu... Eu sou a minha alma!
E realmente foram tranqüilos os
últimos instantes de Sócrates. Seu semblante irradiava paz e serenidade. Ainda
indagado de suas últimas impressões, Sócrates revelou o que lhe ia à mente,
coerente com tudo que pregara e com sua íntima convicção na imortalidade da alma:
“todo homem que chega aonde vou agora, quão enorme esperança não terá de que
possuirá ali o que buscamos nesta vida, com tanto trabalho! Este é o motivo
pelo qual esta viagem que ordenam me traz tão doce esperança!”
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