quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Parte II do estudo sobre três obras da médium Yvonne do Amaral Pereira

Dramas da obsessão

Pelo Espírito Bezerra de Menezes, 3ª edição, 1976 (1ª edição em 1963), Editora FEB, 209 páginas.

Obra que trata de dois casos de obsessão coletiva e os esforços da equipe dirigida pelo Benemérito Bezerra de Menezes em levar o Amor aos corações endurecidos.

Na primeira parte, Intitulada “Leonel e os Judeus”, descerramos um caso que atravessou os séculos, numa rixa obsessiva que se iniciou no período da Inquisição em Portugal, no século XVI.

Ao descrever, na página 15, a equipe espiritual que o auxiliaria, o Bondoso Mentor, apresentou-nos Roberto, assistente dedicado, que fora judeu em pretérita encarnação, e, Peri, indígena da tribo Tamoio.

“Eu levara, no entanto, em nossa comitiva, um indígena brasileiro da raça Tamoio, Espírito hábil, honesto e obediente, que voluntariamente se associara à nossa falange, desejando servir ao Bem, e mais o nosso assistente Roberto, a quem eu muito amava e confiava plenamente.”

Alguns leitores podem se perguntar do porque de tão elaborada apresentação de Peri e até concluir que esse Espírito, era um mero subalterno, por se apresentar com a aparência perispiritual de um índio. Mais à frente, porém entenderemos melhor do porque de Peri assim se apresentar. No entanto, chamamos a atenção para a forma de Bezerra descrever a índole do indígena. É exatamente igual a todos os servidores do Bem: hábil, honesto e obediente. Exatamente como o Apóstolo da Caridade, Adolfo Bezerra de Menezes, Servidor do Cristo. A intenção, claríssima, do Mentor é quebrar preconceitos em relação ao trabalho de Espíritos que se apresentam fora dos ditos “padrões de apresentação de Trabalhadores do Bem”.

Mais adiante, na página 20, Bezerra caracteriza a lida com os obsessores: “Geralmente, a caça a obsessores mui trevosos é levada a efeito por entidades pouco envolvidas, conquanto já regeneradas pela dor dos remorsos e pela experiência dos resgates, ansiosas pela obtenção de ações meritórias com que adornem a própria consciência, ainda tarjada pela repercussão dos deméritos passados (1). Efetuam-na, porém, invariavelmente, sob direção de entidades instrutoras mais elevadas, subordinadas todas as leis rígidas, invariáveis, as quais serão irrestritamente observadas. Essas leis são, como bem se perceberá, as normas divinas do Amor, da Fraternidade e da Caridade, que obrigarão os obreiros em ações mais patéticas e desvanecedoras atitudes de renúncia e abnegação, a fim de que não deixem jamais de aplicá-las, sejam quais forem as circunstâncias. Muitos desses operadores possuem método próprio de agir e os instrutores responsáveis pelo trabalho deixam-nos à vontade dentro dos critérios das leis vigentes, tal como a equipe de professores que ensinassem letras, ciências, etc., mantendo cada um o seu próprio método, embora observando todas as leis da pedagogia ou do critério particular de cada matéria”.

Nesse precioso parágrafo, visualizamos claramente o trabalho dos Espíritos na busca da cura de suas dores através do trabalho árduo, considerado atividade “braçal” ou de menor grau moral-evolutivo, embora que francamente ascendente. Na Umbanda, esses Trabalhadores são chamados de Exus Batizados, enquanto no Movimento Espírita são denominados Guardiões. Como bem esclarece o Benemérito Mentor, seus instrutores lhes dão liberdade para agir, dentro das Normas do Bem, importando tão somente a prática e o senso de Fraternidade, independente da forma.

Segundo Cláudio Zeus (2012) essas Entidades, denominadas Exus Batizados, são diferentes de exus (note que a inicial é minúscula propositalmente) que criam suas próprias leis e falanges, de forma Amoral ou Imoral. São os Exus Batizados, ou Guardiões, que dão sustentação ao trabalho de muitos Pretos Velhos e Caboclos, trabalhando de forma incógnita. Os Pretos Velhos costumam, em muitos casos, se referir a eles como MISINFINS.

Na nota explicativa (1), lemos: “Os médiuns bastante dedicados à Causa, e cujas experimentadas forças morais e psíquicas lograrem possibilidades, igualmente prestam tais serviços, durante o sono noturno, que os instrutores espirituais tratam de aprofundar quanto possível.”.

Esse registro vai de acordo com inúmeros relatos de médiuns, que chegam a descrever detalhadamente as circunstâncias da atividade executada em desdobramento. Porém, maior é o número de Seareiros que relatam não se recordarem de nada, exceto que “trabalharam”, ou ainda, apresentam “vaga idéia” do que se passou. Entendemos que tantos os médiuns, quanto os trabalhadores espirituais são equiparados moralmente, estando igualmente tutelados pelos Mentores.

Na página 21, observamos “...Então, dispúnhamos de individualidades da categoria de Peri, a qual, bondosa e incapaz de arbitrariedades, exercia a energia militar sempre que necessário – como antigo chefe de hordas guerreiras da Arábia, que fora em existência remota e, mais tarde, como cacique da tribo dos Tamoios (2)”. E seguimos, na página seguinte, a forma de atuação deste Espírito: “... Peri era especializado em tarefas tais (lida com espíritos endurecidos, inferiores em caráter, grifo nosso) e possuía métodos particulares, os quais aplicava com eficiência, sempre que necessário. Trazia às suas ordens pequeno pelotão de auxiliares, que obedecendo-lhes fielmente, tais os milicianos ao seu general, junto dele desempenhavam concurso valioso de proteção ao próximo, enquanto, assim agindo em defesa dos mais fracos, reparavam deslizes graves de um passado reencarnatório remoto, como explicamos lá atrás”.

A atividade executada pelo Espírito Peri é a mesma executada pela grande maioria dos Espíritos que na Umbanda são chamados de Caboclos, entidades que se valem de aparência indígena ou de militares romanos, no caso dos Espíritos que se apresentam como Oguns. Coordenam variado número de trabalhadores que podem apresentar roupagem fluídica diferente da deles, que são os Guardiões, ou Exus de Umbanda. Costumam atuar nas áreas mais densas, seja na Espiritualidade ou mesmo na Terra. No caso em tela, os auxiliares de Peri possuíam aparência fluídica de soldados árabes (fato este confirmado na página 31).

Na nota explicativa (2): “O nome Peri encobre a individualidade espiritual indígena, que não desejamos identificar, já reencarnada. Sua existência nas matas brasileiras traduz estágio de repouso e esconderijo, necessária para se furtar às continuadas perseguições obsessoras que, como antigo chefe de tribos árabes guerreiras, adquirira com as atrocidades praticadas. Não seria, portanto, Espírito primitivo, como também acontecia com muito outros índios brasileiros e escravos africanos no Brasil”.

Considerando que a anonimicidade é fato importante para a melhor prática da Caridade, favorecendo o despojamento do ego percebemos que a prática de adoção de pseudônimos é comum, por parte de muitos trabalhadores espirituais, para evitar adulações, incompreensões em geral, até mesmo movimentação de eventuais parentes ainda encarnados. André Luiz é outro Espírito que adotou essa prática logo no início dos seus trabalhos junto ao médium Francisco Cândido Xavier. Na Umbanda, as Falanges, ou grupamento de Espíritos que se afinizam ao Trabalho no Bem, possuem em suas práticas específicas, nomes adotados que são considerados simplórios aos olhos dos mais eruditos. A intenção é justamente atrelar a simplicidade, desde a denominação de um indivíduo e sua forma de trabalho no Bem a maneira mais humilde possível. Quanto ao nome fictício Peri, de origem realmente indígena, observamos expressiva Falange Umbandista, muito antiga, que opera com esse nome, embora não signifique que este Espírito fizesse formalmente parte deste grupamento espiritual.

Ao iniciar o trabalho de resgate da pequena e arrivista falange de obsessores, podemos ver Roberto preparando-se para a missão, na página 41; “Roberto fora hebreu em certa existência vivida em Portugal e na Espanha e fácil lhe seria valer-se da circunstância para atingir os nobres fins que trazia em mira. Fez, portanto, que retroagissem ao passado as próprias forças mentais (fenômeno de regressão da memória, tão conhecido nos dias atuais, passível de realização tanto entre os encarnados como entre os desencarnados), pela ação de irradiação da própria vontade... e voltou a ser o judeu de outrora, o homem oprimido e ameaçado a cada passo por um seqüestro e quiçá pela morte, sob os tratos do Santo Ofício”.

Nessa passagem, o Espírito Roberto torna-se mais aceitável socialmente para contato com os obsessores, no caso, antigos judeus do século XVI. É uma prática muito comum por parte da Espiritualidade, despojada de valores inferiores como preconceito racial. Muitos Espíritos, como forma de trabalho, adquirem aparência perispiritual de Pretos Velhos e Índios para lembrar, dentre outras coisas, que no passado, esses dois povos foram considerados desprovidos de almas e pouco mais do que animais irracionais, selvagens ao extremo e incapazes de compreender a civilização. É através da simplória aparência e forma de comunicação que revelam grande sabedoria e ensejo de auxiliar os tutelados na melhor forma de compreensão dos mesmos, ajudando a quebrar preconceitos, sobretudo no que confere a vaidade.

X

No segundo relato, intitulado “A severidade da Lei”, trazido pelo Benfeitor Bezerra de Menezes, situado, inicialmente, em 1910, trata da saga de uma mulher, que após grave incidente reajustador, atravessa longos anos acamada. Com paciência, humildade e fé, a personagem principal vence, ao fim. Mas não antes de um rosário de dor ser desfiado. Encontramos também a descrição da Falange chefiada por “Santo” Antonio de Pádua, que junto ao autor espiritual desta importante obra, é responsável pelo grupamento em que a narrativa se insere, e descortinamos mais um pouco o conhecimento, deixado aqui na Terra nos anos 60, sobre o trabalho dos Espíritos Benfeitores.

Na página 157, após o convite feito a Bezerra de Menezes, que se encontrava em prece na Erraticidade, vemos que o Médico dos Pobres se torna ciente de mais um intrincado caso de obsessão que se arrastava por séculos, desde o tempo da Inconfidência Mineira, pelos idos dos anos de 1700. O nobre Espírito, embevecido, narra delicadamente a Falange das Crianças, chefiada por Antonio de Pádua, pertencente à Corte Celeste. Acompanhemos: “...Não pertenço, como não pertencia então, a essa doce falange que também integra crianças angelicais e lindas como os próprios lírios que carregam, lírios que, no Espaço, as tornam reconhecíveis como elementos, ou pupilas de Antonio, Espíritos evoluídos que, no Além, sob formas perispirituais infantis, rodeiam o ilustre varão celeste, obedecendo-lhe ás ordens no setor beneficente (29)”. Mais adiante, na página 202, ainda emocionado, o autor espiritual narra: “... A seu lado, três lindas crianças, pobrezinhas, mas lucilantes, angelicais, pés desnudos, lírios entre as mãos”.

Não é muito comum a descrição de Espíritos infantis no meio Espírita, embora seja reconhecido como existente. Todavia, na Umbanda, a Falange das Crianças, ou Ibeijadas, é amplamente difundida. Trabalhando ativamente na Cura da Alma dos encarnados, esses Espíritos Evoluídos apresentam diversidade de formas fluídicas, embora sempre juvenis: negras, indígenas, mestiças e caucasianas.

Percebemos, na nota 29 da médium, a profunda emoção desta ao contemplar essas crianças, mediante auxílio mediúnico do Amigo Espiritual: “A magnanimidade do Espírito Bezerra de Menezes deu-nos a visão dessas crianças citadas. Representam crianças pobres, trajadas humildemente, pés descalços, cabelos despenteados. Não obstante, rebrilham de claridades celestes e sobraçam lírios. Dão-se as mãos para caminharem, mui gentilmente, e um luzeiro rosa envolve-as, distendendo-se em torno. Não nos foi possível conter as lágrimas diante de tão sublime quadro espiritual”.

Não é obra do acaso, as Falanges de Crianças na Umbanda serem reconhecidas pelas flores que gostam de portar, quando incorporadas, e pelas cores que adotam: o rosa e o azul claro. Muitos médiuns videntes costumam perceber essas luzes no ambiente, identificando que Espíritos dessa Falange estão presentes.

É importante ressaltar que as Crianças de Umbanda (Ibeijadas) nada tem a ver com as Entidades conhecidas como Erês, que atuam nas Nações. O proceder desses dois grupamentos é completamente diferente e a única semelhança que possuem é a forma infantil de apresentação.

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