quarta-feira, 1 de abril de 2015

Degustação de obra - Perdas e ganhos (Livro Contos de Redenção)



autor Thiago D. Trindade




Perdas e ganhos


“Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para
vossas almas.” Mateus, 12:28





Fitava o sepulcro em silêncio. O doce Bernardo estava desprovido de sua casca. A pequena criança sofrera muito no último ano e agora estava liberta da matéria. Era esse o conforto que Catarina sentia. Vivera o suficiente para enterrar o filho e agora o neto. A idosa não pranteara quando soube do falecimento da criança, mas o fizera bastante ao longo da doença que acabou por arrebatá-lo.

Sua nora, Heloísa, desesperada, lançara-se sobre o corpo frio do filho, como uma leoa ferida protegendo sua prole. Contida por mãos gentis e firmes, a mãe desolada foi removida para outro quarto hospitalar.

Delicadamente, Catarina acompanhou a distante nora e suportou a ira de Heloísa quando ouviu da jovem amargurada duras palavras. Agora, as duas mulheres se encontravam diante do jazigo onde estavam os restos de Márcio e Bernardo. As duas não sentiam a brisa que acariciava seus rostos exaustos, mas o estado íntimo de ambas era muito diferente.
- Eles estão bem. Disse Catarina com voz quase inaudível.
- Bernardo precisa de mim. – lamentou a outra – o que será de mim sem meu filho?
- Sua vida tem que continuar. – prosseguiu a idosa – foi feita a vontade de Deus.
- Que Deus é esse que leva um homem de bem e depois tortura uma criança para depois matá-la?! Exclamou Heloísa.
- O mesmo Deus que nos ama e nunca nos abandona, filha. – asseverou Catarina – sinto a mesma tristeza que você, mas não podemos questionar a sabedoria de Deus.
- Um Deus de amor não faz uma mãe enterrar o próprio filho! – continuou Heloísa com o rosto ardendo – e você, velha como é, por que não morre logo e me livra da sua gélida companhia?!

Irrompendo em soluços, Heloísa debruçou-se sobre o tampo do jazigo. Catarina cerrou os olhos. Setenta e dois anos cheios de marcas profundas. Sabia que era vista como uma pessoa insensível, fria até. Mas aquilo nunca a incomodou até então. Queria abraçar a filha do coração, mas algo a impedia. Seus olhos fitaram as nuvens brancas. Silêncio.
- Vivo há muito tempo – disse por fim a senhora de cabelos encanecidos – não tenho mais uma longa estrada pela frente. Passei por muitas perdas. Mas também ganhei muito.
- Do que fala? Indagou a outra com a voz entrecortada.
- A vida é uma dádiva, filha. – disse Catarina – uma graça dada para nossa progressão. Todos têm uma missão que deve ser cumprida. Márcio e Bernardo fizeram a parte deles e se foram. E nós? Permanecemos aqui cegas para tudo o mais, exceto para os nossos desejos. – a voz da mulher mais velha era vibrante – nós queremos que nossos mortos voltem e fiquem conosco para sempre. Será que eles iriam querer isso? Será que nós não precisamos passar por isso para aprendermos a sermos menos egoístas?

Heloísa parara de chorar. Fitava a sogra com a boca aberta. Sentia-se fraca, mas algo dentro dela pulsava com força.
- Não somos vítimas de Deus. – prosseguiu a sogra – somos filhas diletas Dele. Temos apenas que aprender a ter resignação e a esperar.
- Você está sem o seu remédio. Disparou a nora.
- Estou lúcida, filha. – retrucou.....


LEIA O FINAL DESTE CONTO EMOCIONANTE EM “Contos de Redenção”, comercializado em prol do Asilo e Creche Seara de Luz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário