“Não
penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a
espada; - porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua
sogra a nora; - e o homem terá por inimigos os de sua própria casa”. (Mateus,
10: 34 a
36)
Na época em que surgiu, a doutrina ensinada por Jesus foi uma
revolução na forma de pensar o mundo e nas relações entre os homens. Não mais a
violência e o poder do mais forte subjugando o mais fraco. Não mais a
exacerbação do orgulho. Não mais a justiça do olho por olho, dente por dente. Mas
para que isso se tornasse realidade, mister se fazia que houvesse uma profunda transformação
do indivíduo que aceitasse seus ensinamentos. Era preciso ir contra os costumes
e as pessoas da época. E principalmente era preciso ir contra os próprios
impulsos e tendências. Um verdadeiro campo de batalha se abria diante dos discípulos
de Cristo. Vencer a si mesmo e vencer ao mundo, eis os desafios. Desafios estes
que representam obstáculos consideráveis para aqueles que ainda hoje se esforçam
em cumprir as exortações dos primeiros tempos e, assim, serem dignos de serem
chamados de cristãos.
Vencer a si mesmo é o passo inicial e talvez o mais difícil,
pois exige um grande esforço para que saiamos de nossa inércia moral, fruto de ilusões
construídas a duras penas ao longo de nossas muitas encarnações e cujo objetivo
é proteger-nos dos espinhos do mundo. Para atingirmos o estado de perfeição
moral exigida ao adepto do cristianismo é preciso despojarmos-nos de muitas criações
mentais que nos são tão caras. A primeira delas é que, sendo muito pequenos
diante de Deus, não somos tão diferentes assim entre nós. Pelo menos não tanto
quanto gostaríamos de ser. A primeira lição difícil, portanto, é a da
humildade, o que nos conduz diretamente para o embate contra o orgulho que
todos trazemos. A segunda ilusão a ser combatida é a de que somos seres
independentes. A nossa vida espiritual depende essencialmente dos laços
amorosos que estabelecemos com Deus e com o próximo. Estamos todos enlaçados
pelo amor. E esse amor deve ser tão puro que não se preocupe com interesses de
satisfação pessoal. De tal maneira que, mesmo sendo contrariados ou feridos,
ainda assim sejamos capazes de amar. A segunda lição, portanto é a do amor incondicional.
Tudo isso exige enorme esforço de nossa parte e uma vontade
férrea visando identificarmos e corrigirmos nossos erros, orientando sempre
nossa conduta pelas palavras e exemplos do Mestre. Certamente que não nos
tornaremos seres perfeitos e angelicais de uma hora para a outra. Mas como a
doutrina espírita muito bem prega, o verdadeiro cristão (ou espírita) se
reconhece por seu esforço em se melhorar a cada dia.
Mas os desafios não param por aí, pois o próximo passo será
conseguir vencer o mundo. Ao aceitar e praticar o que Jesus nos ensina, inevitavelmente
temos que abandonar a capa das conveniências sociais, o verniz da dissimulação,
a condescendência com o erro, mal-disfarçada de fraternidade, a venalidade
oculta no gesto de lavar as mãos. Em suma, aceitando Jesus, desnudamo-nos
perante a sociedade. Tornamo-nos seres muito diferentes daquilo que o mundo
espera de nós, pois que nos aproximamos daquilo que Jesus exige de nós. Quanto
mais o discípulo se aproxima do modelo deixado pelo Mestre, mais incômodo ele causa
àqueles que relutam em mudar, pois os ensinamentos de Jesus são como pedras a
martelar a consciência. Incomoda e muito. Como muito bem disseram os espíritos
da codificação, as leis divinas estão todas inscritas na consciência dos homens
(questões 621 e 621A do Livro dos Espíritos), mas comumente são esquecidas ou
desprezadas. Esquecidas por aqueles que vivem a vida de forma cômoda, nunca se
preocupando em se perguntar; “Estou no caminho certo? Ou desprezo daqueles que,
ao se defrontarem com o chamado espiritual, classificam-no como exagerado,
impossível mesmo de ser posto em prática. Assim, quando alguém surge a proclamar a
verdade e a tentar vivenciá-la mesmo que de forma ainda imperfeita, este ato
torna-se uma afronta para aqueles que escolheram não mudar.
Estevão, o primeiro mártir do cristianismo nascente
exemplificou bem isso. Conforme nos narra Emanuel em seu livro ditado a Chico
Xavier, Estevão nascera em família que, se não era abastada, pelo menos possuía
algumas posses que lhe davam sustento digno. Entretanto, em decorrência da
ambição e truculência de um governante romano, a família foi desestruturada,
seu pai foi morto e o próprio Estevão castigado e mandado servir nas galeras
romanas. Contudo Estevão permaneceu firme a seus ideais de fé, mansidão e
benevolência e em decorrência de sua postura, caiu nas graças de um patrício
romano que, após ser auxiliado por Estevão, em retribuição, livrou-o da morte,
deixando-a na costa da Palestina. Mesmo doente Estevão conseguiu chegar até a
Casa do Caminho, sendo recebido por Pedro que cuidou dele e o ensinou sobre os
ensinamentos de um homem chamado Jesus. Estevão rapidamente reconheceu a
grandiosidade daqueles ensinamentos tendo se tornado um fervoroso adepto do
nascente cristianismo. Sentiu-se tocado por Deus e logo começou a revelar seus
talentos adormecidos. O dom da palavra foi despertado, alimentado por sua
devoção e encantamento pelas coisas do espírito. A coragem elevou-se-lhe. A
bondade atraiu inúmeros seguidores e admiradores. Os ensinamentos por ele
adotados, através de seus exemplos, viriam a afrontar os poderosos e principalmente
aqueles que se julgavam superiores em decorrência de suas tradições e posições
religiosas hierárquicas. Mas Estevão soube erguer, como ninguém, a espada do
Cristo: foi humilde quando desafiavam seu orgulho, mas teve coragem de nunca
alterar os ensinamentos de Jesus, mesmo a custa de sua integridade física; foi
manso e pacífico diante dos inimigos, mas foi incansável e firme no combate à
hipocrisia; usou da benevolência e do amor para ensinar e curar enfermos, mas
suas palavras eram capazes de destruir as falsas convicções reinantes; foi
manso como uma pomba, mas prudente como uma serpente. Afinal Jesus exigira de
seus discípulos uma postura firme diante do erro, repreendendo, corrigindo,
exortando, como tantas vezes pode exemplificar. Mas ao mesmo tempo, mostrou que
devemos estar preparados para receber de braços abertos o pecador arrependido,
como também o fez tantas vezes:
"Se o
seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se pecar
contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: 'Estou
arrependido', perdoa-lhe". (Lucas, 17: 3-4)
Por sua postura, suas palavras e convicções Estevão
espicaçava a consciências dos homens de seu tempo. Sua presença, seus atos,
eram pedras morais a lapidar a consciência daqueles homens empedernidos no orgulho
e ambição. O que fizeram com Estevão? Apedrejaram o homem por não poderem mais
com suas próprias consciências. Eliminando a voz que clamava alto em seus
ouvidos esqueceriam por algum tempo os ecos das leis divinas que ecoavam em
suas mentes. Certo é que conseguiriam calar mais uma vez a voz de suas consciências;
pelo menos por um tempo. Mas não para sempre. Foi o que aconteceu com Saulo de
Tarso que teve que se render ao homem que ajudou a acusar, iniciando outra
história de luta moral contra si e contra o mundo e ilustrando mais uma vez o
poder de transformação dos ensinamentos de Jesus Cristo.
Esforcemo-nos igualmente para seguir estes ensinamentos.
Acreditemos no poder que as palavras de Cristo têm se as deixarmos frutificarem
em nossos corações. É certo que Jesus alertou para as dificuldades a serem
enfrentadas pelos discípulos de todos os tempos: “Como ovelhas desgarradas
eu os mandarei ao meio de lobos...” (Mateus, 10:16). Entretanto, Ele também
nos lembrou que, as sermos instrumentos do divino, o divino se faz presente em
nossos atos e vidas:
“Em
verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu
faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai. E tudo o
que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado
no Filho. Qualquer coisa que me pedirdes, em meu nome, vo-lo farei”. (João,
14: 12-14)
Se tivermos fé no poder de Deus, se tivermos fé na mensagem
de Cristo, seremos capazes e dignos de empunhar a espada que irá nos livrar de
nossas mazelas e de proteger-nos contra os perigos do mundo. Tenhamos coragem
de lutar para que possamos avançar na senda da evolução moral. Mas lutemos com
muito amor nos nossos corações; com muita humildade e alegria. Lutemos contra o
pecado, mas nunca contra o pecador, pois que no campo de batalha nos
defrontaremos frequentemente com aqueles que nos são muito caros. Lutemos, principalmente
contra nossos vícios e sombras internas. Mas não esqueçamos nunca que na boa
luta, na luta pela evolução do espírito, estaremos sempre amparados pelas
forças imbatíveis do bem que nos sustentarão e conduzirão. Essa certeza nos
dará a força necessária para prosseguirmos, mesmo com as decepções e agruras do
mundo, pois nossa maior alegria será fazer a vontade do Pai e nossa maior
conquista será a cada dia sermos capazes de sentir, vibrando em nossas almas, o
amor de Deus a preencher nossos espíritos de luz e paz. E se formos firmes em
nosso propósito, nada poderá nos separar desta comunhão com o Criador:
“Pois
estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas,
nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus
nos testemunha em Cristo
Jesus, nosso Senhor.” (Romanos, 8: 38-39)
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