quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Eu vim trazer a espada

Autor Alexandre Giovanelli



Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; - porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; - e o homem terá por inimigos os de sua própria casa”. (Mateus, 10: 34 a 36)

Na época em que surgiu, a doutrina ensinada por Jesus foi uma revolução na forma de pensar o mundo e nas relações entre os homens. Não mais a violência e o poder do mais forte subjugando o mais fraco. Não mais a exacerbação do orgulho. Não mais a justiça do olho por olho, dente por dente. Mas para que isso se tornasse realidade, mister se fazia que houvesse uma profunda transformação do indivíduo que aceitasse seus ensinamentos. Era preciso ir contra os costumes e as pessoas da época. E principalmente era preciso ir contra os próprios impulsos e tendências. Um verdadeiro campo de batalha se abria diante dos discípulos de Cristo. Vencer a si mesmo e vencer ao mundo, eis os desafios. Desafios estes que representam obstáculos consideráveis para aqueles que ainda hoje se esforçam em cumprir as exortações dos primeiros tempos e, assim, serem dignos de serem chamados de cristãos.
Vencer a si mesmo é o passo inicial e talvez o mais difícil, pois exige um grande esforço para que saiamos de nossa inércia moral, fruto de ilusões construídas a duras penas ao longo de nossas muitas encarnações e cujo objetivo é proteger-nos dos espinhos do mundo. Para atingirmos o estado de perfeição moral exigida ao adepto do cristianismo é preciso despojarmos-nos de muitas criações mentais que nos são tão caras. A primeira delas é que, sendo muito pequenos diante de Deus, não somos tão diferentes assim entre nós. Pelo menos não tanto quanto gostaríamos de ser. A primeira lição difícil, portanto, é a da humildade, o que nos conduz diretamente para o embate contra o orgulho que todos trazemos. A segunda ilusão a ser combatida é a de que somos seres independentes. A nossa vida espiritual depende essencialmente dos laços amorosos que estabelecemos com Deus e com o próximo. Estamos todos enlaçados pelo amor. E esse amor deve ser tão puro que não se preocupe com interesses de satisfação pessoal. De tal maneira que, mesmo sendo contrariados ou feridos, ainda assim sejamos capazes de amar. A segunda lição, portanto é a do amor incondicional.
Tudo isso exige enorme esforço de nossa parte e uma vontade férrea visando identificarmos e corrigirmos nossos erros, orientando sempre nossa conduta pelas palavras e exemplos do Mestre. Certamente que não nos tornaremos seres perfeitos e angelicais de uma hora para a outra. Mas como a doutrina espírita muito bem prega, o verdadeiro cristão (ou espírita) se reconhece por seu esforço em se melhorar a cada dia.
Mas os desafios não param por aí, pois o próximo passo será conseguir vencer o mundo. Ao aceitar e praticar o que Jesus nos ensina, inevitavelmente temos que abandonar a capa das conveniências sociais, o verniz da dissimulação, a condescendência com o erro, mal-disfarçada de fraternidade, a venalidade oculta no gesto de lavar as mãos. Em suma, aceitando Jesus, desnudamo-nos perante a sociedade. Tornamo-nos seres muito diferentes daquilo que o mundo espera de nós, pois que nos aproximamos daquilo que Jesus exige de nós. Quanto mais o discípulo se aproxima do modelo deixado pelo Mestre, mais incômodo ele causa àqueles que relutam em mudar, pois os ensinamentos de Jesus são como pedras a martelar a consciência. Incomoda e muito. Como muito bem disseram os espíritos da codificação, as leis divinas estão todas inscritas na consciência dos homens (questões 621 e 621A do Livro dos Espíritos), mas comumente são esquecidas ou desprezadas. Esquecidas por aqueles que vivem a vida de forma cômoda, nunca se preocupando em se perguntar; “Estou no caminho certo? Ou desprezo daqueles que, ao se defrontarem com o chamado espiritual, classificam-no como exagerado, impossível mesmo de ser posto em prática. Assim, quando alguém surge a proclamar a verdade e a tentar vivenciá-la mesmo que de forma ainda imperfeita, este ato torna-se uma afronta para aqueles que escolheram não mudar.
Estevão, o primeiro mártir do cristianismo nascente exemplificou bem isso. Conforme nos narra Emanuel em seu livro ditado a Chico Xavier, Estevão nascera em família que, se não era abastada, pelo menos possuía algumas posses que lhe davam sustento digno. Entretanto, em decorrência da ambição e truculência de um governante romano, a família foi desestruturada, seu pai foi morto e o próprio Estevão castigado e mandado servir nas galeras romanas. Contudo Estevão permaneceu firme a seus ideais de fé, mansidão e benevolência e em decorrência de sua postura, caiu nas graças de um patrício romano que, após ser auxiliado por Estevão, em retribuição, livrou-o da morte, deixando-a na costa da Palestina. Mesmo doente Estevão conseguiu chegar até a Casa do Caminho, sendo recebido por Pedro que cuidou dele e o ensinou sobre os ensinamentos de um homem chamado Jesus. Estevão rapidamente reconheceu a grandiosidade daqueles ensinamentos tendo se tornado um fervoroso adepto do nascente cristianismo. Sentiu-se tocado por Deus e logo começou a revelar seus talentos adormecidos. O dom da palavra foi despertado, alimentado por sua devoção e encantamento pelas coisas do espírito. A coragem elevou-se-lhe. A bondade atraiu inúmeros seguidores e admiradores. Os ensinamentos por ele adotados, através de seus exemplos, viriam a afrontar os poderosos e principalmente aqueles que se julgavam superiores em decorrência de suas tradições e posições religiosas hierárquicas. Mas Estevão soube erguer, como ninguém, a espada do Cristo: foi humilde quando desafiavam seu orgulho, mas teve coragem de nunca alterar os ensinamentos de Jesus, mesmo a custa de sua integridade física; foi manso e pacífico diante dos inimigos, mas foi incansável e firme no combate à hipocrisia; usou da benevolência e do amor para ensinar e curar enfermos, mas suas palavras eram capazes de destruir as falsas convicções reinantes; foi manso como uma pomba, mas prudente como uma serpente. Afinal Jesus exigira de seus discípulos uma postura firme diante do erro, repreendendo, corrigindo, exortando, como tantas vezes pode exemplificar. Mas ao mesmo tempo, mostrou que devemos estar preparados para receber de braços abertos o pecador arrependido, como também o fez tantas vezes:

"Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: 'Estou arrependido', perdoa-lhe". (Lucas, 17: 3-4)

Por sua postura, suas palavras e convicções Estevão espicaçava a consciências dos homens de seu tempo. Sua presença, seus atos, eram pedras morais a lapidar a consciência daqueles homens empedernidos no orgulho e ambição. O que fizeram com Estevão? Apedrejaram o homem por não poderem mais com suas próprias consciências. Eliminando a voz que clamava alto em seus ouvidos esqueceriam por algum tempo os ecos das leis divinas que ecoavam em suas mentes. Certo é que conseguiriam calar mais uma vez a voz de suas consciências; pelo menos por um tempo. Mas não para sempre. Foi o que aconteceu com Saulo de Tarso que teve que se render ao homem que ajudou a acusar, iniciando outra história de luta moral contra si e contra o mundo e ilustrando mais uma vez o poder de transformação dos ensinamentos de Jesus Cristo.
Esforcemo-nos igualmente para seguir estes ensinamentos. Acreditemos no poder que as palavras de Cristo têm se as deixarmos frutificarem em nossos corações. É certo que Jesus alertou para as dificuldades a serem enfrentadas pelos discípulos de todos os tempos: “Como ovelhas desgarradas eu os mandarei ao meio de lobos...” (Mateus, 10:16). Entretanto, Ele também nos lembrou que, as sermos instrumentos do divino, o divino se faz presente em nossos atos e vidas:

Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai. E tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Qualquer coisa que me pedirdes, em meu nome, vo-lo farei”. (João, 14: 12-14)

Se tivermos fé no poder de Deus, se tivermos fé na mensagem de Cristo, seremos capazes e dignos de empunhar a espada que irá nos livrar de nossas mazelas e de proteger-nos contra os perigos do mundo. Tenhamos coragem de lutar para que possamos avançar na senda da evolução moral. Mas lutemos com muito amor nos nossos corações; com muita humildade e alegria. Lutemos contra o pecado, mas nunca contra o pecador, pois que no campo de batalha nos defrontaremos frequentemente com aqueles que nos são muito caros. Lutemos, principalmente contra nossos vícios e sombras internas. Mas não esqueçamos nunca que na boa luta, na luta pela evolução do espírito, estaremos sempre amparados pelas forças imbatíveis do bem que nos sustentarão e conduzirão. Essa certeza nos dará a força necessária para prosseguirmos, mesmo com as decepções e agruras do mundo, pois nossa maior alegria será fazer a vontade do Pai e nossa maior conquista será a cada dia sermos capazes de sentir, vibrando em nossas almas, o amor de Deus a preencher nossos espíritos de luz e paz. E se formos firmes em nosso propósito, nada poderá nos separar desta comunhão com o Criador:

Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Romanos, 8: 38-39)

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