sábado, 20 de agosto de 2016

Samaritano



autor Thiago D. Trindade



Certo dia, um homem sem rosto, sem nome, sem sabermos se era pobre ou rico, judeu ou gentio,saiu de Jerusalém para Jericó. O tal homem acabou assaltado e, por alguma razão, foi gravemente ferido. Não sabemos se o viajante tentou reagir, ou se ele reconheceu alguns dos assaltantes.
Deixado para morrer, o viajante sem nome ficou estirado ao chão poeirento do canto mais pobre do Império Romano.

Veio então um sacerdote, um membro da elite judaica, um pilar da sociedade, pois cabia a essa classe de cidadãos a guarda das tradições, da religiosidade. Para o povo, os sacerdotes eram os representantes de Deus! E o tal nobre passou pelo homem ferido e seguiu seu caminho.
Mais tarde, um levita chegou pela estrada. Os levitas também tinham sua vida em volta do templo. Os levitas eram os auxiliares dos sacerdotes, servindo como guardas, padeiros, pintores, cuidadores dos animais, etc. Esses cidadãos tinham o mesmo compromisso que os sacerdotes em zelar pela manutenção das tradições, e dentro dessa premissa, estava a religião. E o levita passou pelo homem ferido e continuou seu caminho.

Depois, veio um homem. Não se sabe se veio de Jericó ou Jerusalém. Ele apenas surgiu. Mas sabe-se que veio da Samaria, uma região mal vista pelos hebreus desde a morte do Rei Salomão. Inclusive, os povos da Judéia, Peréia e Galiléia, afirmavam que os samaritanos não eram parentes, alegando que esse povo deturpara as tradições em algum momento da história local. Esse homem discriminado, sem rosto, sem condição social definida, viu o viajante caído e foi até ele. O homem caído foi resgatado por outro, marginalizado por muitos.
O samaritano limpou as feridas com óleo e vinho, que aliás eram os medicamentos antissepticos usados à época, e um bem muito valioso para os oprimidos pelos romanos. Corajosamente, o filho de Samaria levou o desconhecido a uma estalagem e pagou para que cuidassem do homem que jamais vira em sua vida.

Que lição poderosa essa!

Essa lição, ou parábola, está no livro de Lucas (10: 25 até 37). Jesus proferiu essa parábola a um doutor da lei, que indagou ao Nazareno como ele deveria proceder para alcançar a vida eterna, ou seja, o Reino de Deus.

Mas será que esta parábola se adéqua ainda aos dias de hoje?

Que papel desempenhamos? O sacerdote? O levita? O samaritano, talvez? Ou a do estropiado?
Bem, conhecemos a Lei do Amor, que nos manda amar a Deus, amar o próximo. Sabemos que o perdão é a chave para a evolução, pois perdoar é o mais gesto de amor. Os sacerdotes eram os responsáveis por zelar pelos Ensinamentos de Deus. Nós somos como os sacerdotes. E fazemos como os sacerdotes da parábola quando nos levamos pelo rancor, inveja, ciúme, vingança, deixando ao relento algum irmão tão ou mais carente do que nós.

Temos um templo externo para manter, como os levitas. O maior templo é o lar e o segundo é a Casa Religiosa. O lar, santuário doméstico, muitas vezes é conspurcado pela intolerância e tirania, enquanto ao templo religioso é espaço para frieza, soberba e discriminação contra aqueles que pensam diferente do outro. E abandonamos à própria sorte nossos familiares, nossa grande obrigação, e aos confrades jogados à triste cisão.

Podemos também agir como o samaritano. Ajudar o caído com ações e palavras. Podemos limpar as chagas abertas com o óleo da misericórdia e lavar as feridas com o vinho do amor fraternal. Discretamente podemos acalentar um espírito em sofrimento.

Mas e quanto ao estropiado? Esquecemos dele? Somos, certamente, estropiados morais. Somos tomados por viciações variadas, tais como o rancor, a inveja, o ciúme e por aí vai. E ficamos estirados ao chão poeirento e duro da existência que impomos a nós mesmos, se recusando a levantar em nosso benefício.

Somos, em verdade, esses quatro personagens da parábola dita por Jesus. Temos que vencer o sacerdote e o levita em nós. Temos que robustecer o samaritano com a fé e a caridade que irão nos impulsionar para o Alto. Temos que nos reconhecer estropiados morais para aceitar, de fato o tratamento ofertado por algum samaritano que o Caminho trouxe até nós. Desta forma, alternamos o samaritano e o estropiado e assim iremos fortalecer o primeiro e curar o segundo, até que por fim, repitamos, com pureza e verdade, a fala de Paulo de Tarso: “travei o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (II Timóteo) que faz alusão direta em vencer as próprias viciações, se aproximando, ainda que um pouquinho, da angelitude.

Os Samaritanos (com “S” maiúsculo mesmo) estão por aí, nas ruas frias, nos hospitais, nas favelas. Não escolhem lugares luminosos, sob muitos olhares e não negociam suas ações. Tanto encarnados quanto desencarnados, tais servidores do Cristo, tal como o homem sem rosto da parábola, são discretos e longe da perfeição. São pessoas comuns que, no esforço de vencerem suas más tendências, criam condições de melhoria material e moral de terceiros que muitas vezes não conhecem. Tais Samaritanos, o verdadeiros, não esperam agradecimentos e quase sempre são incompreendidos por aqueles que o cercam. Mas seus tímidos sorrisos de esperança brotam quando um olhar de gratidão pelo amparo é dirigido a eles.

Que nós estudemos mais a parábola do Samaritano, e mais, que possamos seguir seu exemplo, lembrando sempre que o maior Samaritano de todos é Jesus de Nazaré














Nenhum comentário:

Postar um comentário