O lavrador
“O Reino dos Céus é semelhante a
um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E,
transbordante de alegria, vai vende tudo que tem e compra aquele campo.”
Mateus 13: 40
O sol estava escaldante. O suor
escorria por seu rosto marcado que teimava manter-se altivo. Um meio sorriso
estava estampado em sua boca ressequida e seus olhos se voltavam para a terra
seca que suas mãos teimavam em lavrar.
Assim Josué seguia, dia após dia.
Naquela ocasião, porém, foi
diferente. Um rapaz, guiando um grande carro importado, veio levantando uma
grossa cortina de poeira que se erguia na direção do infinito. O motorista era
o filho de um rico fazendeiro. Dirigindo de forma perigosa, Evandro bateu com o
pneu do jipe em um buraco, fazendo-o estourar. Proferindo palavrões, o jovem
saiu do ar refrigerado do automóvel e sentiu a força do sol em seu rosto
pálido. Os óculos escuros pareciam impotentes ante à luz do astro rei.
De forma inexplicável, os olhos
de Evandro pousaram na figura do velho Josué, que trabalhava a terra alheio a
confusão do jovem.
- Ei velho! Gritou o jovem, de
forma arrogante.
Lentamente Josué ergueu a cabeça.
Sua audição já não era a mesma e parecia que tinha ouvido, ao longe, alguém
falando. Divisou o jovem de roupas extravagantes gesticulando para ele.
Ajeitando o chapéu no alta da cabeça manchada pelo sol, Josué deu um sorriso
desprovido de dentes e acenou para o rapaz. Com passos largos, o lavrador
chegou até o impertinente Evandro.
- Sou filho do senhor Luciano –
disse o rapaz, arrogante – eu preciso que você troque o pneu do meu carro.
- Troco sim, moço – respondeu o
velho – eu posso ajudar você, pela graça de Deus.
Com alguma dificuldade, Josué
trocou o pneu. Evandro, porém, praguejava contra a lentidão do velho. O
trabalho, por fim, foi feito. Retirando algumas notas do bolso, o jovem as
estendeu para o idoso.
-Não posso aceitar, moço –
retrucou o lavrador, balançando a cabeça com firmeza – não se cobra por ajudar
alguém em precisão. Eu
sei que se o moço estivesse bem, poderia ter trocado a roda sozinho.
Evandro amassou as notas.
Sentia-se ultrajado. Como aquele velho miserável ousava recusar seu dinheiro e
ainda chamá-lo de necessitado?
- Velho – resmungou o filho do
fazendeiro – o sol fritou seus miolos. Estou lhe pagando por um serviço.
- Não se cobra pelo serviço de
ajudar um filho de Deus – asseverou o outro – eu é que agradeço.
Evandro gargalhou.
Definitivamente o ancião era louco.
- Está certo então, velhinho –
disse o rapaz – vou embora. Fique nesse seu deserto, comendo pedras e poeira.
Imagino que não saberia o que fazer com esse dinheiro.
Josué sorriu. Estendeu a mão
duras e magra para o jovem. Evandro a tomou. Sentiu a força que ainda restava
no velho.
- O que te sustenta, filho?
Indagou o ancião.
- O quê? Devolveu Evandro,
surpreso.
- O que faz você caminhar?
Insistiu Josué.
Evandro não sabia o que
responder. Que perguntas eram aquelas? Era seu pai quem o sustentava. Era
Luciano quem sustentava todo seu modo de vida.
- Quem é você, velho, para se
meter na minha vida? Disparou Evandro, num rompante.
- Ninguém – respondeu o velho
baixando a cabeça – só gostaria de saber quem você é.
- Já não disse quem é meu pai?!
Esbravejou o rapaz.
- Mas não disse quem você é –
insistiu o lavrador – veja, eu sou Josué. Eu lavro a terra. Bendigo a Deus pelo
meu trabalho e a riqueza que possuo.
- Riqueza?! – gargalhou Evandro –
um campo seco?
- O que vê são pequenices, filho
– asseverou Josué, com simplicidade – eu almejo uma grande riqueza. Para
consegui-la, tenho de empregar os bens que Deus me emprestou...
- Você está gagá mesmo! Riu o
outro.
Josué sorriu. Seus olhos,
esbranquiçados pela catarata, se dirigiram para o carro de Evandro. O moço
percebeu e alisou o capô do automóvel.
- Esse é um patrimônio, amigo –
disse Evandro – meu carro é um bem que satisfaz. Isso é riqueza!
- Certo moço – continuou o outro
– mas é uma riqueza pequena. Tudo o que nós pegamos, que nós vemos até, é
pequeno! O verdadeiro tesouro nós sentimos!
- Balela! Negou o jovem.
- Tudo o que nos faz caminhar par
a Verdade é justamente a vontade de amealhar a riqueza do sentimento nobre. E
quem não é a Verdade senão Deus?
- Conversa de carola, vovô...
Provocou o jovem rico.
- Conversar é pouco também –
prosseguiu Josué animado – é necessário pegar na enxada e trabalhar na terra
bruta. Encarar a terra teimosa. É um serviço que muitos pensam ser ingrato. Mas
com paciência e carinho a terra se torna o berço de uma linda árvore que
renderá doces frutos.
- Você acredita mesmo que vai
tirar alguma coisa dessa terra esturricada? Indagou Evandro fitando o deserto.
- Acredito piamente nisso. –
respondeu Josué com doçura quase palpável – a fé de meu coração me dá força
para lavrar a terra seca.
Evandro contemplou o campo árido.
Nuvens de poeira se levantavam. Sentiu pena do velho.
- Vovô, posso lhe arranjar um
trabalho na fazenda do meu pai – o rapaz deu um meio sorriso – irá trabalhar
menos e comer melhor com o salário que vai receber.
- Não obrigado – sorriu Josué, e
aquele sorriso pareceu a Evandro estranhamente familiar – tenho meu torrão para
lavrar.
O jovem fitou o idoso.
Definitivamente, o agricultor era louco. Evandro entrou no carro.
- Gostaria que fizesse uma coisa
por mim, moço. Disse o velho.
- O quê? Respondeu o rapaz com as
mãos do volante.
- Ao se deitar, faça uma prece.
Sentenciou Josué.
Evandro meneou a cabeça e ligou o
motor. Ao chegar em casa, que encimava uma grande colina, viu seu pai, o
poderoso fazendeiro Luciano, observando maliciosamente a filha da cozinheira.
- Tenho uma boa história pai. –
disse Evandro caindo pesadamente no sofá – o pneu estou...
O rapaz narrou todo o acontecido.
Luciano, coçando a grande barriga, riu ante a caracterização que ouvira do
velho lavrador. Como o filho, o fazendeiro acreditou que o sol fritara os
miolos do idoso. Mais tarde, ao dormir, após ingerir algumas cervejas e
cigarros, Evandro olhou para o teto do aposento. Lembrou-se do pedido de Josué.
Xingando o velho agricultor, Evandro sentou-se na cama opulenta.
- Tanta coisa para me pedir e ele
me pede pra rezar?! Exclamou o rapaz, bufando.
- O que faz você caminhar?
Subitamente essa pergunta voltou à mente de Evandro.
Baixando tão somente a cabeça
desgrenhada, o filho do fazendeiro lembrou-se do velho e de uma imagem de Jesus
que vira certa vez.
- Deus, me ajude! Exclamou o
jovem.
No dia seguinte, Evandro entrou
no carro e foi veloz para onde havia encontrado com o velho lavrador.
Encontrou-o lá, do mesmo jeito que no dia anterior. Josué, ao vê-lo,
levantou-se e acenou com o chapéu.
- É bom vê-lo. Disse o idoso.
- Velho, tive um sonho esquisito!
– disparou Evandro – meu cérebro fritou ontem. Só pode ser!
- O que foi, moço? Indagou Josué,
pondo o chapéu velho na cabeça manchada pelo sol.
- Não tive meus sonhos de hábito.
– respondeu o outro – não sonhei com mulheres... ou ainda o sono sem sonhos...
- O que o senhor viu? Insistiu o
lavrador.
- Esse lugar estava cheio de
flores – prosseguiu o rapaz – árvores altas!
- Então o senhor compartilhou
comigo o meu sonho – Josué abriu sua boca murcha e desprovida de dentes, num
sorriso largo e estranhamente cheio de vida – minha esperança!
Evandro coçou a cabeça. Aquilo
era estranho demais.
- Falou com seu pai do carro
quebrado? Perguntou o velho fitando o possante veículo.
- Sim. – respondeu Evandro
balançando a cabeça – ele riu.
- Quem não riria de pequenices
assim, não é? Suspirou o ancião.
- Velho, sonhos são devaneios –
anunciou Evandro, com fervor – só isso. Nada sobrevive a essa secura!
- Venha comigo. Disse Josué
prontamente.
O lavrador guiou Evandro por
entre touceiras secas de espinheiro. Chegaram a um local junto a um morro
baixo. Ali havia um jovem cajueiro.
- Meu trabalho está rendendo e
vemos a recompensa! – exclamou o velho – o senhor verá esse campo verde!
- Venha comigo para a fazenda.
Disse Evandro, após observar lentamente para a vigorosa muda.
- Não obrigado. – respondeu Josué
– irei lavrar essa terra. O senhor pode me ajudar.
Aquilo era absurdo para Evandro.
Jamais ele pegara numa enxada ou qualquer ferramenta. No entanto, o jovem
segurou a gasta companheira do agricultor.
- Ponha a lâmina da enxada na
terra e imagine que você dá a ela a força que faz brotar as plantas. Tenha fé
de que está recuperando essa terra para o serviço de Deus. Ensinou Josué com ar
professoral.
Desajeitado, Evandro revolveu o
solo. Era difícil fazer aquilo. As mãos logo doeram. As costas reclamaram e seu
rosto ardeu com o sol implacável e o suor encharcou suas belas vestes.
- Chega. Disse Evandro com o
corpo rígido e dolorido, com as mãos entorpecidas e prestes a serem tomadas por
bolhas doloridas.
- O senhor lavrou a terra, moço.
– disse Josué com ar satisfeito – caminhou. Deu esperança a essa terra.
Coberto de poeira, Evandro
percebeu que sorria. O trecho que capinara era muito curto, mas fora o que
fizera. Os olhos dos dois homens se encontraram.
De volta ao lar, Luciano
estranhou a aparência do filho. Observando as mãos feridas de Evandro, o
fazendeiro exasperou-se.
- Espero que a mulher tenha
valido à pena. Resmungou Luciano.
Evandro fitou o pai. Por um
momento viu no pai o que ele mesmo era. Incomodado com essa constatação,
banhou-se e foi ao seu quarto. Sentia-se só, como nunca antes. Ainda parecia
que o peso da enxada estava em suas mãos. O sol também era percebido pela sua
pele queimada. Ao fechar os olhos, viu os campos do lavrador cheios de vida.
Adormeceu. Novamente, os campos
do estranho agricultor estavam lá, porém estavam ainda mais repletos de vida do
que antes.
Sobressaltado, Evandro despertou.
Sentia o perfume do sonho, mas uma sensação de imperiosidade o incomodava. A
imagem do velho não lhe saía da cabeça. Trocou de roupa e saiu, pouco antes dos
galos anunciarem o raiar do dia. Nos primeiros raios de luz, o jovem chegou ao
lugar onde havia encontrado com o lavrador pela primeira vez. Sabia que o velho
chegava ao amanhecer. O sol chegou abrasador e nenhum sinal do agricultor. O
coração batia descompassadamente no peito de Evandro, que, num rompante entrou
no carro e saiu pelos campos. Iria encontrar o velho.
O carro jogou poeira para o céu
por longo tempo, até que finalmente, quando o combustível estava prestes a
acabar, Evandro divisou uma pequena casa de sapê. Era um casebre paupérrimo.
- Só pode ser ali! Gritou o rapaz.
Encostou o carro e irrompeu casa
à dentro. Havia somente um cômodo na tapera. Josué estava deitado na cama de
tábuas. Ao seu lado, seu chapéu e a enxada. O ancião abriu lentamente os olhos.
Evidenciava uma respiração lenta e fraca.
- Você está doente? Indagou o
rapaz se abaixo ao lado de Josué.
- Estou indo conferir a riqueza
que tenho, moço. Respondeu o lavrador com um sorriso banguela.
- Não! Exclamou Evandro sentindo
lágrimas brotarem em seus olhos.
- Como não? – retrucou o outro,
ainda sorrindo – a morte é tão natural quanto o nascer do sol. Faz parte da
vida, mocinho.
O corpo de Evandro tremia. Jamais
se apegara a alguém antes. Parecia ao jovem que deveria ter aproveitado mais o
tempo com aquele amigo que arranjara pela graça do destino e que agora se ia.
- Vivi muito, filho – disse Josué
– é hora de conhecer outros campos. Gostei muito de conhecê-lo moço.
- Há alguém a quem chamar?
Indagou Evandro às lágrimas.
- Minha esposa me aguarda e meus
filhos mais velhos também. – respondeu o velho – o caçula ainda não está
pronto...
- Irei buscá-lo! – bradou o rapaz
– ele deve se despedir do pai!
- Para ele estou morto. –
suspirou Josué – morto na carne e no espírito. Para mim ele ainda precisa de
cuidado, o mesmo que devemos ter para com a terra. Deixe-o onde está.
- Nem sei o seu nome, mas
gostaria que fosse meu avô. Disse Evandro beijando as mãos rijas e descarnadas
do ancião.
- Meu nome é Josué Ambrósio.
Respondeu o lavrador.
Evandro estacou. Aquele era o
nome de seu finado avô, que morrera quando Luciano era pouco mais do que um
menino. O velho morrera após a esposa, Luzia e os filhos mais velhos. Dois
rapazes e uma moça. Fitando cuidadosamente o rosto marcado do lavrador, o rapaz
encontrou similaridades com a face dura de Luciano.
- Você é meu avô! Exclamou
Evandro.
- Então o ciclo se fecha. –
sorriu Josué – bendito seja Deus! Senti um grande carinho por você, assim que o
vi! Meu neto...
- Por quê? Volveu Evandro.
- Sem perguntas, meu neto.
Retrucou Josué com a voz ainda mais fraca.
Os dois homens se olharam e
sentiam um imenso júbilo dentro de seus corações.
- Ontem você lavrou o solo com
afinco, meu neto. – disse Josué pondo o dedo ossudo no peito de Evandro – é
hora de você lavrar seu coração. É você quem irá deixar os campos que Deus
emprestou verdejantes!
Dizendo aquilo, Josué sorriu e
morreu. Evandro não ficou desesperado, pois uma sensação de paz o tomou. Beijou
a testa fria do avô recém encontrado e pegou a enxada que agora lhe pertencia.
Cavou a cova de Josué próxima a casa de sapê e por fim, pôs uma simples cruz.
Não sabia o que acontecera na família, mas isso não importava. Não odiava o
pai, a quem amava.
De volta à casa, Evandro
encontrou seu pai furioso. O velho fazendeiro bebia sôfregamente uma dose de
pinga quando o rapaz entrou pela sala carregando a enxada.
- Agora traz as ferramentas dos
empregados?! – rugiu Luciano – vou sumir com esse velho que está a lhe enfiar
coisas idiotas em sua cabeça!
- O nome do velho era Josué
Ambrósio, pai. – disparou Evandro – ele morreu hoje. Ele lhe amava muito e
tinha esperança em você!
Luciano, estarrecido, deixou o
copo cair no chão. Os olhos do fazendeiro se encheram de lágrimas, mas nenhuma
delas rolou. Em silêncio, o filho de Josué foi até seu quarto e lá permaneceu.
Sentado na cozinha e com a enxada
deitada sobre suas pernas, Evandro permaneceu até o dia seguinte. Sua cabeça
girava, entorpecida, quando o peso da mão de Luciano o despertou
definitivamente.
- Leve-me até onde meu pai está.
– disse o fazendeiro com a voz embargada – por favor.
No carro de Luciano, pai e filho
foram até onde se encontrava o casebre de Josué. Pesadamente, Luciano caiu de
joelhos ante o túmulo do pai. Finalmente, lágrimas rolaram pelo rosto do
implacável fazendeiro, molhando o esturricado solo que Josué tanto amara.
Pedindo perdão, Luciano estava com o espírito alquebrado.
Os dias correram, por fim, e
Luciano não mais se dedicava aos negócios. Caminhava pela enorme casa sem
direção. Evandro também se sentia vazio. Às vezes voltava para os campos onde
conhecera o avô e usava a velha enxada para arrancar as ervas daninhas que
ameaçavam as mudinhas esquálidas que Josué plantara.
Certa vez, Evandro, sentado em
sua cama, teve uma idéia. Com muita cautela, foi até seu pai, com quem não mais
falara desde o reconhecimento do velho lavrador com avô e pai deles.
- Quer ir comigo ao campo do vô
Josué? Perguntou Evandro com uma pontada de esperança.
Com um estremecimento Luciano
recebeu o convite. O fazendeiro, após um tempo de hesitação, aceitou. Dentro do
automóvel era apenas silêncio e ansiedade. Levavam sementes, mudas e adubos.
Chegando lá, Luciano não quis
sair do carro. Em silêncio, Evandro pegou as ferramentas e insumos e começou a
trabalhar.
- Mamãe morreu de tuberculose –
disse Luciano, com a voz ofegante – papai sentira muito a perda dela. Talvez
mais do que todos nós juntos. Getúlio, o mais velho, ficou à frente dos
negócios das cabras, já que era o único meio de se conseguir dinheiro. Não
tínhamos recursos alguma para plantar ou criar algo que não fosse palma e cabra.
Mas Getúlio era péssimo administrador e criou dívidas enormes.- com um suspiro
o fazendeiro ergueu seus olhos avermelhados para o céu azul – era ele o mais
velho e tínhamos que segui-lo, e mesmo que ele gastasse toda a mixaria que as
cabras rendiam no cabaré, devíamos baixar a cabeça para ele.
Evandro, sem parar de carpir o
solo, apenas ouvia.
- Papai nada fez. – continuou o
fazendeiro – acho que ele estava tão absorto pela morte da mamãe que ele
simplesmente não sabia o que se passava. Otávio, mais velho do que eu, se
rebelou contra Getúlio e eu o segui. Maura, pouco mais nova que Otávio se
alinhara com Getúlio. – os olhos do filho de Josué se voltaram para as mãos
fechadas, que tremiam violentamente – houve luta. Getúlio era forte. Muito
forte. Quebrou o nariz de Otávio com um único soco e me arremessou para longe.
Getúlio começou a chutar Otávio e eu corri para pegar a arma de papai. Quando
eu apontei o revólver para meu irmão mais velho pedi que ele fosse embora.
Getúlio apenas riu! Eu tinha apenas treze anos. Ele me xingou. Disse que iria
me surrar até ficar aleijado – o rosto de Luciano ficou pétreo e Evandro, que
tinha parado de capinar, fechou os olhos – eu atirei. A bala atravessou Getúlio
e pegou a Maura. Otávio gritava muito. Ele tirou a arma de minha mão e correu
para ver se Getúlio e Maura estavam vivos. Quando Otávio se aproximou, Getúlio
o surpreendeu e o desarmou. Deu um tiro na cabeça do irmão achando que era eu!
Quando papai chegou da casa da tia Zuleica encontrou os filhos mortos e eu sentado
no chão da sala. Ele olhou para mim. Aqueles olhos! Ele soube o que acontecera!
Papai pegou a arma e enterrou os filhos no quintal junto de mamãe. Não me disse
uma única palavra. Apenas me beijou na testa e desapareceu nos campos ermos.
Tia Zuleica veio e disse que ia cuidar de mim. Ela falou que a polícia
procurava o papai pelo crime acontecido. Eu cresci e tornei-me o que sou hoje.
Um traste!
- Você é meu pai! – exclamou
Evandro – amo você!
Luciano fitou o filho. Desde que Eleonora
morrera, no acidente de carro, jamais sorrira. O fazendeiro abriu a porta do
automóvel e fitou os campos secos. A passos largos chegou até o filho e lhe
tomou a enxada.
- Você está fazendo errado. –
resmungou Luciano – vou mostrar como se lavra a terra, meu filho.
As provas mais difíceis são aquelas que afetam o coração. Existem
aqueles que suportam com coragem a miséria e as privações materiais, mas
abatêm-se ao peso das amarguras domésticas, atormentados pela ingratidão dos
seus. Que angústia terrível! Nesses casos, mais que o conhecimento das causas
do mal, a certeza de que não existem sofrimentos eternos é que ajuda a reerguer
a coragem moral, porque Deus não quer que Sua criatura sofra para sempre.
Fragmento retirado do Evangelho
Segundo o Espiritismo, Capítulo XIV,A ingratidão dos filhos e os laços de
família. Santo Agostinho. Paris, 1862. Item 9.
Essa obra é comercializada em prol do Asilo para idosas e Creche Seara de Luz, em Paracambi-RJ e pode ser adquirida em https://www.mythoseditora.com.br/catalogo/default.asp?acao=detalhe_produto&cod_produto=4085&categ0=&categ1=&categ2=
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