Autor Thiago D. Trindade
No ano de 64
Depois de Cristo, o jovem mundo cristão ardia. Acusados pelo imperador Nero,
cujo sadismo o imortalizou nos livros de História, os discípulos de Jesus foram
acusados de tentar destruir Roma por meio de incêndio. Foi no início dos
tenebrosos anos de duras perseguições aos cristãos. No funesto Circo Máximo,
sabemos, pereceram inúmeros homens, mulheres e crianças que haviam adotado os
ensinamentos libertadores do Rabi da Galiléia como Caminho para a Verdade, que,
enfim levaria para a Vida em luz.
Por entre as
cinzas da cidade fumegante, um homem velho, com uma idade quase impossível
naqueles dias da Antiguidade, se sentou sobre uma pilha de destroços. Era seu
corpo enrugado e frágil, com a alva barba imunda de fuligem e sua longa testa
maçada por muitos anos de trabalho incansável. Sentado em meio as ruínas, bem
no coração do cruel império romano, o velho homem viu o trabalho de sua vida,
desde que renascera no Gólgota, quando seu Mestre triunfava sobe a cruz infame,
desfazer-se em cinzas.
O ancião
alquebrado lembrou-se de Paulo. O vigoroso homem de Tarso, que lhe fora
adversário um dia e que os ensinamentos do Nazareno o havia convertido em um
verdadeiro irmão de alma. A sabedoria de Paulo, bem como sua capacidade
organizacional criara verdadeiras estradas e núcleos onde fervilhavam os ideais
cristãos. Mas agora, naquela tragédia crua, Paulo se fora, degolado. Timóteo e
Anacleto estavam desaparecidos e até mesmo o valoroso Lucas também tinha seu
paradeiro desconhecido.
Sentindo as
duras pedras que formavam o chão da rua, sob seus pés descalços, Pedro não
segurou as lágrimas amargas em seus olhos insones. Sentia-se imensamente velho
e fraco. Por que fora poupado? Como ele, velho, quebrado, esquecendo-se das
coisas, poderia servir ao Mestre? Nem de longe tinha o brilhantismo de Paulo
para compensar as limitações físicas. Tampouco possuía sua famosa força física
de outra, que controlara o barco absorto pela fúria da tempestade que abatera
sobre ele e seus companheiros no lago de Genezaré. Era apenas um velho.
Seus dedos
nodosos, sem que ele percebesse, tomaram uma pedra escura de fuligem. Com sua
parca força, apertou aquele fragmento. Aquele material, repentinamente, pareceu
ser inabalável. As pedras da rua pareceram rígidas e indestrutíveis sob os pés
frágeis do ancião venerável, que tinha cerca de setenta anos. O velho
lembrou-se do Mestre, que o ensinara a caminhar sobre as águas e a curar os
doentes. O antigo hebreu recordou que seu nome não era mais Simão, mas Pedro, a
Rocha.
Com dificuldade,
Pedro se pôs de pé. Com a pedrinha em sua mão esquerda, o discípulo do cristo
apoiou-se no cajado que costumava usar. Com seus olhos embaçados, obsrvou
lentamente as colunas de fumaça fétida que cobriam toda Roma. Soube, o
venerável ancião, que não fora convocado para junto de seu Mestre, pois ainda
havia serviço a ser feito. Pessoas precisavam de consolação, bem como ele
próprio e tinha a absoluta certeza que suas lágrimas só seriam removidas quando
limpasse o pranto dos outros.
Nem de longe,
Pedro tinha sua força física, que o levara por longas estradas. Tampouco tinha
a erudição de Paulo. Tinha apenas sua força de vontade e lealdade que seriam
lendárias, no futuro. Subitamente, o velho Pedro sentiu o ar fresco de sua
Cafarnaum, que jamais veria naquela encarnação. Pareceu ouvir as vozes dos
antigos companheiros, o jovial João, ainda mal saído da infância, o austero
Tiago , desaparecidos há muito, lhe endereçavam vibrações de confiança.
Pela terceira
vez chegava a mudança para Pedro. Novas formas de consolar, novas maneiras de
se praticar a fé precisavam ser encontradas. Precisava reunir aqueles que
tinham escapado do fogo e do Circo Máximo. O legado do cristo e o serviço dos
companheiros que haviam se ido precisavam ser preservados. As pedras, observou
o ancião, que foram atiradas contra os cristãos, usadas para ferir, seriam
todas apanhadas. Seriam usadas para construir abrigos, pontes e até mesmo
servir de alimento, pois em suas encarquilhadas mãos, aquela peça inanimada
seria convertida em pura luz a acalentar o sofrimento alheio.
Pedra sobre
pedra, Pedro edificou a Casa de Luz do Nazareno dentro de nossos corações. Não
usou como desculpa a idade, a saúde, o intelecto. Fez o possível, tendo sempre
em mente o Bem maior. Ele não temeu quando foi preso e condenado. E com a
galhardia que lhe era peculiar, ainda saiu daquela encarnação ensinando aos
carrascos sobre humildade por não querer ser executado da mesma maneira que seu
Mestre. Não é à toa que Pedro é hoje um dos principais auxiliares do Cristo na
administração deste planeta, nos incentivando a abandonar o materialismo e a
abraçar a espiritualidade com o Cristo. Como ele mesmo fez, há tantos anos
atrás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário