Autor Thiago Trindade
Certo dia, um homem sem rosto,
sem nome, sem sabermos se era pobre ou rico, judeu ou gentio,saiu de Jerusalém
para Jericó. O tal homem acabou assaltado e, por alguma razão, foi gravemente
ferido. Não sabemos se o viajante tentou reagir, ou se ele reconheceu alguns
dos assaltantes.
Deixado para morrer, o viajante
sem nome ficou estirado ao chão poeirento do canto mais pobre do Império
Romano.
Veio então um sacerdote, um
membro da elite judaica, um pilar da sociedade, pois cabia a essa classe de
cidadãos a guarda das tradições, da religiosidade. Para o povo, os sacerdotes
eram os representantes de Deus! E o tal nobre passou pelo homem ferido e seguiu
seu caminho.
Mais tarde, um levita chegou pela
estrada. Os levitas também tinham sua vida em volta do templo. Os levitas eram
os auxiliares dos sacerdotes, servindo como guardas, padeiros, pintores,
cuidadores dos animais, etc. Esses cidadãos tinham o mesmo compromisso que os
sacerdotes em zelar pela manutenção das tradições, e dentro dessa premissa,
estava a religião. E o levita passou pelo homem ferido e continuou seu caminho.
Depois, veio um homem. Não se
sabe se veio de Jericó ou Jerusalém. Ele apenas surgiu. Mas sabe-se que veio da
Samaria, uma região mal vista pelos hebreus desde a morte do Rei Salomão.
Inclusive, os povos da Judéia, Peréia e Galiléia, afirmavam que os samaritanos
não eram parentes, alegando que esse povo deturpara as tradições em algum
momento da história local. Esse homem discriminado, sem rosto, sem condição
social definida, viu o viajante caído e foi até ele. O homem caído foi
resgatado por outro, marginalizado por muitos.
O samaritano limpou as feridas
com óleo e vinho, que aliás eram os medicamentos antissepticos usados à época,
e um bem muito valioso para os oprimidos pelos romanos. Corajosamente, o filho
de Samaria levou o desconhecido a uma estalagem e pagou para que cuidassem do
homem que jamais vira em sua vida.
Que lição poderosa essa!
Essa lição, ou parábola, está no
livro de Lucas (10: 25 até 37). Jesus proferiu essa parábola a um doutor da
lei, que indagou ao Nazareno como ele deveria proceder para alcançar a vida
eterna, ou seja, o Reino de Deus.
Mas será que esta parábola se
adéqua ainda aos dias de hoje?
Que papel desempenhamos? O
sacerdote? O levita? O samaritano, talvez? Ou a do estropiado?
Bem, conhecemos a Lei do Amor,
que nos manda amar a Deus, amar o próximo. Sabemos que o perdão é a chave para
a evolução, pois perdoar é o mais gesto de amor. Os sacerdotes eram os responsáveis
por zelar pelos Ensinamentos de Deus. Nós somos como os sacerdotes. E fazemos
como os sacerdotes da parábola quando nos levamos pelo rancor, inveja, ciúme,
vingança, deixando ao relento algum irmão tão ou mais carente do que nós.
Temos um templo externo para
manter, como os levitas. O maior templo é o lar e o segundo é a Casa Religiosa.
O lar, santuário doméstico, muitas vezes é conspurcado pela intolerância e
tirania, enquanto ao templo religioso é espaço para frieza, soberba e
discriminação contra aqueles que pensam diferente do outro. E abandonamos à
própria sorte nossos familiares, nossa grande obrigação, e aos confrades
jogados à triste cisão.
Podemos também agir como o
samaritano. Ajudar o caído com ações e palavras. Podemos limpar as chagas
abertas com o óleo da misericórdia e lavar as feridas com o vinho do amor
fraternal. Discretamente podemos acalentar um espírito em sofrimento.
Mas e quanto ao estropiado?
Esquecemos dele? Somos, certamente, estropiados morais. Somos tomados por
viciações variadas, tais como o rancor, a inveja, o ciúme e por aí vai. E
ficamos estirados ao chão poeirento e duro da existência que impomos a nós
mesmos, se recusando a levantar em nosso benefício.
Somos, em verdade, esses quatro
personagens da parábola dita por Jesus. Temos que vencer o sacerdote e o levita
em nós. Temos que robustecer o samaritano com a fé e a caridade que irão nos
impulsionar para o Alto. Temos que nos reconhecer estropiados morais para
aceitar, de fato o tratamento ofertado por algum samaritano que o Caminho
trouxe até nós. Desta forma, alternamos o samaritano e o estropiado e assim
iremos fortalecer o primeiro e curar o segundo, até que por fim, repitamos, com
pureza e verdade, a fala de Paulo de Tarso: “travei
o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (II Timóteo) que
faz alusão direta em vencer as próprias viciações, se aproximando, ainda que um
pouquinho, da angelitude.
Os Samaritanos (com “S” maiúsculo
mesmo) estão por aí, nas ruas frias, nos hospitais, nas favelas. Não escolhem
lugares luminosos, sob muitos olhares e não negociam suas ações. Tanto
encarnados quanto desencarnados, tais servidores do Cristo, tal como o homem
sem rosto da parábola, são discretos e longe da perfeição. São pessoas comuns
que, no esforço de vencerem suas más tendências, criam condições de melhoria
material e moral de terceiros que muitas vezes não conhecem. Tais Samaritanos,
o verdadeiros, não esperam agradecimentos e quase sempre são incompreendidos
por aqueles que o cercam. Mas seus tímidos sorrisos de esperança brotam quando
um olhar de gratidão pelo amparo é dirigido a eles.
Que nós estudemos mais a parábola
do Samaritano, e mais, que possamos seguir seu exemplo, lembrando sempre que o
maior Samaritano de todos é Jesus de Nazaré
Nenhum comentário:
Postar um comentário