autor Thiago D. Trindade
Perdas e ganhos
“Vinde a mim todos os que estais
cansados e sobrecarregados, porque sou manso e humilde de coração; e achareis
descanso para
vossas almas.” Mateus, 12:28
Fitava o sepulcro em silêncio. O doce
Bernardo estava desprovido de sua casca. A pequena criança sofrera muito no
último ano e agora estava liberta da matéria. Era esse o conforto que Catarina
sentia. Vivera o suficiente para enterrar o filho e agora o neto. A idosa não
pranteara quando soube do falecimento da criança, mas o fizera bastante ao
longo da doença que acabou por arrebatá-lo.
Sua nora, Heloísa, desesperada,
lançara-se sobre o corpo frio do filho, como uma leoa ferida protegendo sua
prole. Contida por mãos gentis e firmes, a mãe desolada foi removida para outro
quarto hospitalar.
Delicadamente, Catarina
acompanhou a distante nora e suportou a ira de Heloísa quando ouviu da jovem
amargurada duras palavras. Agora, as duas mulheres se encontravam diante do
jazigo onde estavam os restos de Márcio e Bernardo. As duas não sentiam a brisa
que acariciava seus rostos exaustos, mas o estado íntimo de ambas era muito
diferente.
- Eles estão bem. Disse Catarina
com voz quase inaudível.
- Bernardo precisa de mim. –
lamentou a outra – o que será de mim sem meu filho?
- Sua vida tem que continuar. –
prosseguiu a idosa – foi feita a vontade de Deus.
- Que Deus é esse que leva um
homem de bem e depois tortura uma criança para depois matá-la?! Exclamou
Heloísa.
- O mesmo Deus que nos ama e
nunca nos abandona, filha. – asseverou Catarina – sinto a mesma tristeza que
você, mas não podemos questionar a sabedoria de Deus.
- Um Deus de amor não faz uma mãe
enterrar o próprio filho! – continuou Heloísa com o rosto ardendo – e você,
velha como é, por que não morre logo e me livra da sua gélida companhia?!
Irrompendo em soluços, Heloísa
debruçou-se sobre o tampo do jazigo. Catarina cerrou os olhos. Setenta e dois
anos cheios de marcas profundas. Sabia que era vista como uma pessoa
insensível, fria até. Mas aquilo nunca a incomodou até então. Queria abraçar a
filha do coração, mas algo a impedia. Seus olhos fitaram as nuvens brancas.
Silêncio.
- Vivo há muito tempo – disse por
fim a senhora de cabelos encanecidos – não tenho mais uma longa estrada pela
frente. Passei por muitas perdas. Mas também ganhei muito.
- Do que fala? Indagou a outra
com a voz entrecortada.
- A vida é uma dádiva, filha. –
disse Catarina – uma graça dada para nossa progressão. Todos têm uma missão que
deve ser cumprida. Márcio e Bernardo fizeram a parte deles e se foram. E nós?
Permanecemos aqui cegas para tudo o mais, exceto para os nossos desejos. – a
voz da mulher mais velha era vibrante – nós queremos que nossos mortos voltem e
fiquem conosco para sempre. Será que eles iriam querer isso? Será que nós não
precisamos passar por isso para aprendermos a sermos menos egoístas?
Heloísa parara de chorar. Fitava
a sogra com a boca aberta. Sentia-se fraca, mas algo dentro dela pulsava com
força.
- Não somos vítimas de Deus. –
prosseguiu a sogra – somos filhas diletas Dele. Temos apenas que aprender a ter
resignação e a esperar.
- Você está sem o seu remédio.
Disparou a nora.
- Estou lúcida, filha. – retrucou.....
LEIA
O FINAL DESTE CONTO EMOCIONANTE EM “Contos de Redenção”, comercializado em prol
do Asilo e Creche Seara de Luz.
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