autor Thiago D. Trindade
“Disse-lhes: Vinde comigo e Eu farei de vós
pescadores de homens.” Mateus 4:19
Chegara cedo à fila, ainda de
manhazinha. Seus andrajos eram indistinguíveis e sua barba e cabelos eram
sebosos e emaranhados ao extremo. Batia os dentes que lhes restavam, já podres,
e sua baba corria pela longa barba grisalha. Causava asco. Até os outros
desafortunados evitam proximidade com aquele mendigo.
Pouco antes das oito horas da
manhã, os carros dos que trabalhavam na Casa de Auxílio começaram a chegar.
Alguns dos automóveis eram mais antigos e simples, mas outros eram de última
geração, sofisticados e opulentos. Uns poucos vinham a pé ou de bicicleta.
Ninguém, porém, cumprimentou qualquer um da longa fila que se formava. Olhavam
fixamente para a porta e com evidente nojo do mendigo que ocupava o primeiro
lugar.
No entanto, sabia-se, que desde
as horas mortas da madrugada três pessoas, um homem e duas mulheres, se
dedicavam a sopa que seria servida no almoço. Durante o trabalho eles cantavam
e experimentavam a comida, pois não queriam que os menos afortunados apenas
engolissem o alimento, mas que o saboreassem com gosto e alegria.
Finalmente, a porta foi aberta e
os necessitados entraram. Foram distribuídas cestas de alimentos, roupas e
calçados. Alguns que precisavam de consulta médica e corte de cabelo, receberam
o que precisavam de pronto. O mendigo, por sua vez, era evitado sem cerimônia e
posto de lado, sem receber qualquer atenção. O andarilho sofrido, em silêncio,
baixou ainda mais a cabeça e esperou qualquer gesto de caridade.
A hora do almoço se aproximava.
Seria proferida uma palestra, como era usual naquela Casa. Um homem, de branco
dos pés à cabeça, em vistoso tecido, tomou a palavra. Seu discurso era rico de
alegorias bíblicas, de milagres. Muitas palavras eram desconhecidas do público,
tamanho o grau de complexidade do palavrório. O palestrante, entre gestos e
expressões faciais, falou de sacrifício e amor abnegado, citando logo após os
mártires, que por amor ao Cristo haviam sido trucidados. Segundo o feroz
orador, Jesus esperara cada um dos mártires no plano espiritual, com seus doces
braços abertos. Suspiros foram ouvidos e expressões de concordância ecoaram
pelo salão.
A cozinheira mais experiente da
cozinha, e responsável pela sopa, veio anunciando que o almoço estava pronto.
Seus olhos alegres e vividos pousaram imediatamente no mendigo, no canto mais
distante e solitário do salão. Com passos ligeiros e decididos, a mulher foi
até o mendigo. Diante dos olhos escandalizados de todos ali, a cozinheira, sem
cerimônia, abraçou o homem perdido, e beijou suas mãos e rosto. Com delicadeza,
a mulher guiou o mendigo até um chuveiro, no banheiro masculino, e o deixou lá
se banhando. Rapidamente, a mulher regressou trazendo tesouras, pentes e escovas,
além de roupas novas. Habilmente, a cozinheira enfrentou os nós e os cortou da
cabeça do homem silencioso, e depois suas unhas foram limpas. Um tênis pouco
usado, coube comodamente nos pés lavados do mendigo, que se permitiu um ligeiro
e tímido sorriso.
O estômago do homem roncava
ruidosamente, mas ele não reclamava e a docilidade dele comovia ainda mais a
velha cozinheira da Casa do Auxílio. Os olhos do mendigo brilhavam de gratidão
à sua benfeitora. Comeu a sopa, após delicada prece com a cozinheira, diante
dos olhares duros dos servidores da Casa do Auxílio.
A cozinheira então percebeu que
os traços do mendigo eram nobres e as marcas em seu rosto sofrido conferiam a
ele uma dignidade intraduzível. A música que tocava ao fundo, no grande
refeitório, jamais parecera tão bela aos ouvidos da mulher simples e de
generoso coração.
O mendigo terminou....
LEIA
O FINAL DESTE CONTO EMOCIONANTE EM “Contos de Redenção”, comercializado em prol
do Asilo e Creche Seara de Luz.
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