sábado, 22 de fevereiro de 2014

Liberdade

Autor Thiago D. Trindade

Muito hoje se fala em liberdade. Infelizmente, percebemos que a compreensão do que é liberdade está um pouco equivocada.

Pelo dicionário Aurélio, assinalamos três definições: a faculdade de cada um se decidir ou agir segundo sua própria determinação; é o estado ou condição do homem livre, e, confiança ou intimidade, muitas vezes abusiva.

No Livro dos Espíritos, parte terceira, capítulo 10, há todo um conjunto de indagações e respostas acerca do conceito de liberdade.

Na questão 825 aprendemos que não há condições de gozarmos de absoluta liberdade porque nós precisamos uns dos outros para existir com saúde mental. Podemos pensar grosseiramente que somos escravos, como bem assinalam as questões 829 a 832,mas não. O sistema de opressão que criamos na Terra-matéria e em muitos casos nas regiões do Umbral é uma criação nossa, dos filhos imperfeitos de Deus, e que por orgulhos, acreditamos ser melhores do que os outros. E assim criamos terríveis correntes de rancor e mágoa que nos prendem, algumas vezes, por séculos.

Mas nossa liberdade de pensar é limitada?

Não! Nossa força mental, talvez, seja a maior potência que Deus nos outorgou. Por isso, com nossa força mental, ou liberdade de pensar, criamos nosso céu ou nosso inferno, conforme Jesus nos ensinou ao afirmar que a fé movia montanhas. Kardec, por sua vez, estudou profundamente tais lições, e, Chico Xavier através de seu trabalho incansável na consolação prática demonstrou.

Ao trabalharmos nossa liberdade de pensar, a nossa força mental, mudamos a nós mesmos.

E falando em liberdade, de força mental, chegamos ao Livre Arbítrio, que é a capacidade de escolher. O que esquecemos é que há ação e reação de nossas escolha, não aceitando muitas vezes as consequências provocadas por nós, que podem atravessar as reencarnações.

Jesus Cristo afirma categoricamente que ficaremos neste mundo até que paguemos o último centavo de nossas dívidas, em uma alusão direta ao uso do livre arbítrio e da nossa força mental.

Um exemplo clássico que podemos analisar está na Bíblia. No livro de Mateus, vemos Jesus guiar Tiago, Pedro e João ao monte Tabor. Ali o excelso Mestre realiza o que chamamos hoje de uma “sessão espírita”, evocando os espíritos de Moisés e Elias. Jesus declarou que Elias, cuja profecia anunciava seu retorno, havia vindo e não fora reconhecido, tendo sido morto de uma forma terrível. Reconheceram, os homens, que João Batista fora Elias, reforçando a idéia da reencarnação.

Mas era “só” isso que Jesus fora mostrar aos pupilos? Não. Jesus não perdia tempo, como não perde até hoje. Ao evidenciar João Batista como reencarnação de Elias, o Galileu mostrou na prática a Lei da Ação e Reação, pois, ainda como Elias, o profeta, ordenara o assassinato de incontáveis pessoas, conforme está assinalado no Livro dos Reis, item 40.

Vejamos, João Batista foi e é um dos maiores auxiliares do Cristo na administração planetária, mas não obteve nenhum abrandamento da Lei por isso. Mesmo exercendo belo mandato de Amor, há dois mil anos atrás, não pôde fugir à sua dívida, contraída pelo mau uso de seu livre arbítrio e de sua força mental, quando, ainda como Elia, incitara seus seguidores para o morticínio daqueles que tinham outra crença religiosa.

Devemos nós, imediatamente, procurar a verdadeira liberdade, sem confundi-la com libertinagem. Devemos abandonar a opressão que realizamos diariamente. Devemos usar melhor nossa força mental, através dos estudos acerca dos Ensinos do Cristo, irradiando luz para tudo que está à nossa volta, a partir de dentro de nós. Somos estrelas e nossa luz deve brilhar cada vez mais em honra a Deus, mas sem ofuscar a ninguém, pois é esta a vontade do Pai.

Usemos melhor nosso livre arbítrio, refletindo sobre nossas ações e suas eventuais consequências. Façamos aos outros o que gostaríamos que fizessem conosco, ou seja, amar ao próximo. E amar ao próximo é perdoar incontáveis vezes. Amar é ver em seu próximo a estrela que ele é e cabe a nós criarmos condições para que ele brilhe cada vez mais, através de palavras, ações e exemplos.

Com isso seremos verdadeiramente Livres.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

“BEM AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS” – As várias faces da indulgência

Autor Alexandre Giovanelli


Misericórdia é uma palavra que apresenta diferentes nuances em seu significado. As duas primeiras acepções descritas no dicionário Houaiss servem bem aos propósitos das nossas reflexões. O primeiro sentido seria o de “sentimento de dor e solidariedade com relação a alguém que sofre uma tragédia pessoal ou que caiu em desgraça, sendo acompanhado do desejo ou da disposição de salvar ou ajudar essa pessoa”. Tem como sinônimo a compaixão e a piedade. O segundo sentido estaria relacionado a um “ato concreto de manifestação desse sentimento, como o perdão, a indulgência, a clemência”. Portanto, misericórdia é um sentimento que brota no coração de alguém, mas também se refere a uma ação desencadeada por esse sentimento.
Certamente Jesus, ao declamar dentre as bem-aventuranças, esta que nos detemos: “Bem aventurados os misericordiosos, porque obterão misericórdia” (Mateus, 5:7) estaria se referindo ao sentimento de compaixão e à expressão prática deste sentimento. E não poderia ser diferente, pois todos os ensinamentos do Mestre exigem que seus seguidores não só sejam capazes de transformar suas disposições internas, mas também que essa mudança leve à realização de obras de caridade e da capacidade de perdoar. Por isso mesmo ele faz a comparação com a árvore e os frutos: “Uma árvore boa não dá maus frutos e uma árvore má não dá bom fruto. Porquanto cada árvore se conhece pelo seu fruto...” (Lucas, 6: 44-45).
É exatamente dentro desta concepção que encontraremos no capítulo X do Evangelho Segundo o Espiritismo um aprofundamento do que se espera de uma conduta verdadeiramente misericordiosa. Segundo os espíritos aquele que é indulgente busca atenuar os defeitos do próximo, não propaga a imperfeição alheia e evita julgar com severidade aquele que incorre em falta. É tolerante, benevolente, compreensivo... A indulgência está associada, portanto, a um olhar amoroso sobre o próximo e até de empatia, pois devemos ser capazes de reconhecer, no outro, as falhas morais que da mesma forma permeiam nossos atos, pensamentos e sentimentos. A indulgência igualmente está ligada à capacidade de perdoar, pois precisamos praticar a tolerância ao erro alheio, não só em nossos julgamentos envolvendo relações entre terceiros, mas principalmente quando somos as vítimas da malícia humana.
Embora aplicada a uma série de situações, podemos assinalar três formas de manifestação da misericórdia: a clemência de Deus, a tolerância nas relações humanas e o perdão a si mesmo.
Para nos guiar nestas reflexões utilizaremos como base uma passagem muito conhecida encontrada no Evangelho de João, capítulo 8. Passemos a narrar a cena: Jesus encontrava-se em Jerusalém pregando sua boa nova, curando enfermos e expulsando demônios, como o vinha fazendo nos últimos anos. Após se refazer no Monte das Oliveiras, o Mestre desce até o Templo de Jerusalém para continuar sua missão de educar almas. Eis que se encontrava no templo, cercado pela multidão e por seus discípulos, quando surge à sua frente uma agitação incomum. São homens que trazem consigo uma mulher certamente desesperada por já prever seu fim próximo. Aqueles homens, dentre eles os fariseus e escribas, senhores da lei da época, colocam a mulher no meio da multidão e em frente a Jesus. O Rabino da Galiléia assiste a tudo de maneira compassiva. Então, de forma surpreendente abaixa sua cabeça e começa a escrever na terra com o dedo. Sabia que ali se iniciaria mais um embate entre a revelação divina e a visão embaraçada de corações amargurados e perdidos. O momento era propício para mais um ensinamento. De um lado fariseus e escribas anteviam mais uma prova para aquele galileu insolente. A mulher fora pega em adultério, crime considerado extremamente grave para aquela época e que deveria ter uma punição à altura: a pena de morte por lapidação. Sabiam que Jesus desaprovava qualquer tipo de violência, mesmo contra criminosos. Mas naquele caso Jesus teria de se posicionar contra a lei máxima da época. A lei de Moisés que havia orientado aquele povo por tantos séculos não poderia ser desprezada. Afinal de contas os pais e avós daquele povo haviam seguido a risca a tradição judaica. Já bastava a humilhação e o desrespeito da tradição perpetrada pelo povo dominador, os orgulhosos romanos. Inconcebível, portanto, que um judeu afrontasse as próprias tradições. Seria o mesmo que aliar-se ao inimigo dominador. Assim, aqueles homens voltam-se para Jesus e perguntam: “Mestre a lei manda que essa mulher seja morta por apedrejamento, o que dizeis disso?” Jesus estava ciente de sua responsabilidade. Não poderia concordar com lei tão cruel que ia de encontro a todos os seus ensinamentos de amor e perdão. Mas posicionar-se frontalmente contra a tradição se revelaria uma afronta sem precedentes. Com sua sabedoria peculiar, o amoroso galileu continuou a escrever na areia. Sabia que era preciso amolecer aqueles corações endurecidos, para que as palavras que proferiria pudessem tocá-los em seu íntimo. Naquele momento, o Mestre deve ter apelado para a misericórdia divina, orando a Deus para que iluminasse aquelas almas insensíveis no meio do qual nasceu e viveu. Era preciso preparar seus corações empedernidos para que compreendessem a lição que seria ofertada. Mais uma vez aqueles homens perguntaram, desta vez com uma inflexão de voz mais ríspida: “Mestre, o que devemos fazer?” Jesus calmante olhou para a multidão ao ser redor e deve ter pensado: “Pai perdoa-lhes seus pecados, pois não sabem o que fazem”, mas de seus lábios saíram as palavras: “Que atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados”. Como dardo certeiro Jesus atingiu a consciência dos que o interpelavam, pois sabia que o entendimento do bem e do mal estava escrito na consciência de cada um. Era, no entanto, preciso despertar-lhes de seu esquecimento e desprezo pelas leis divinas, relembrando-os de valores como perdão, amor ao próximo, misericórdia...Ao obrigá-los a confrontar os erros daquela mulher com seus erros mais íntimos, expondo-os ao rigor da lei, implicitamente o Mestre coloca aqueles homens diante de seus próprios julgamentos perante Deus: se não há perdão para aquela mulher haveria perdão para aqueles que a acusavam?
“Na medida em que medires assim serás medido....”
Um a um dos que compunha a multidão foi se retirando; cada uma daquelas pessoas sentindo-se espicaçada pela sua própria consciência. Agora, a sós com a mulher, Jesus pergunta: “Onde estão os que te acusam? Ninguém te condenou?” E a mulher aliviada e maravilhada diante da sabedoria e santidade daquele homem tão diferente de todos os que conheceu responde: “Ninguém, Senhor”. Para a surpresa maior da mulher, Jesus não lhe passa um sermão ou faz qualquer condenação. Apenas lhe diz: “Nem eu te condeno”. Sabia ele perfeitamente e a mulher agora suspeitava, bem como os seus acusadores que partiram, que os nossos principais algozes encontram-se em nossas próprias consciências. Não veio Jesus para condenar ninguém, mas sim para ensinar o caminho, a verdade, a vida. Por isso o Mestre completa; “Vá e não peques mais”. Vá e percorra um novo caminho, de pureza e verdade, um caminho que a conduzirá à vida em abundância.
Conforme dito anteriormente, desta linda passagem encontrada no Evangelho de João, podemos fincar as bases para nossa reflexão sobre a indulgência. Inicialmente falemos sobre a clemência divina. Sabemos que a essência de Deus é o de amor em sua máxima pureza e perfeição. Ora, sendo somente amor, não é possível que a natureza de Deus comporte simultaneamente sentimentos como ódio, espírito de vingança, melindre. Esses são sentimentos humanos. Logo, Deus é amoroso e indulgente para com todos, sem exceção. Analisemos as palavras de Jesus a seguir:
“Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e os injustos” (Mateus, 5: 44-45).
Jesus é claro: a misericórdia divina abarca os justos e injustos, os bons e maus. Deus cuida de seus filhos independentemente de suas escolhas certas ou erradas. Poderíamos, então, perguntar. Nesse caso, onde fica a justiça divina? Há aqui uma confusão bastante comum. O conceito humano que temos de justiça está muito próximo da ideia de vingança. “de pagar com a mesma moeda”. É a velha lei de talião. Deus não deseja vingar-se de nada, nem de ninguém. A rigor nem mesmo podemos “ofendê-lo”, pois se o pudéssemos estaríamos atingindo de alguma forma o Criador. No Livro dos Espíritos Kardec apresenta-nos um capítulo que aborda a questão da Justiça. Mas o título do capítulo é “Lei de Justiça, Amor e Caridade”. As duas últimas palavras foram sabiamente colocadas por Kardec e os espíritos da codificação, pois a justiça de Deus esta profundamente associada ao amor e perdão infinitos. Dentro da Lei de Justiça, Amor e Caridade, analisemos especificamente a lei de causa e efeito, outro conceito tão mal interpretado. A lei de causa e efeito nada mais é do que um buril para lapidar o espírito humano e conduzi-lo cada vez mais para junto de Deus. Se o homem se depara com a dor e o sofrimento isso o faz caminhar em direção diferente daquela que gerou esta conseqüência. Nesse caso, Deus não revida, apenas ensina. Deus não pune, apenas cura uma chaga moral. Os espíritas sabemos que o céu e o inferno estão muito mais associados a um estado de consciência do que a um lugar específico do plano espiritual ou mesmo material. O quanto nos distanciamos de Deus é que dá a medida de nosso inferno íntimo. Quanto mais estivermos iludidos com o egoísmo, orgulho, crueldade, mais nos afundamos nos tormentos concienciais. Sendo assim, devemos olhar o sofrimento sobre outro prisma. É ele que tem o poder de nos tirar da ilusão do ódio, conduzindo-nos mais rapidamente para a nossa verdadeira vocação que é a de seres amorosos, próximos da natureza de Deus. Quanto mais amor, mais felicidade. Portanto, a dor não é uma punição pelo erro, mas um ato de misericórdia de Deus, para que não perpetuemos o nosso verdadeiro sofrimento original que é a incapacidade de amar de forma incondicional.
Assim, como Jesus fez com a mulher, Deus não está preocupado em nos acusar, mas sim que tomemos consciência de nossas falhas morais e avancemos sem cair nos mesmos erros. “Vá e não peques mais”. Nessa trajetória, podemos sempre contar com Deus; basta que nosso propósito seja sincero e nossa busca verdadeira. Porque Deus é indulgente com nossos erros. Lembremos sempre disso em nossa jornada.
O segundo ponto é acerca da indulgência nas relações humanas. A lógica é simples: se queremos o “perdão” de Deus, devemos ser capazes de perdoar o próximo. Lembremos, todavia, que Deus não perdoa, pois só tem alguma coisa a perdoar aquele que se “sente ofendido”. Como citado anteriormente, não é possível ao homem melindrar o Criador. O que significaria, então, as palavras de Jesus?:
“Se perdoardes aos homens as faltas que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial vos perdoará os pecados; - mas, se não perdoardes aos homens quando vos tenham ofendido, vosso Pai celestial também não vos perdoará os pecados” (Mateus, 6: 14-15).
O perdão de Deus deve ser considerado não como a desculpa por um erro pessoal cometido por nós, mas sim uma retomada da nossa relação com O Pai Maior que foi cortada pela força de nossos próprios atos e sentimentos. Nada mais é do que uma reconexão com os fluxos de energias espirituais superiores. O pedido de perdão pressupõe um sentimento de arrependimento por parte daquele que pede clemência. Junto ao arrependimento vem um desejo de mudar para melhor e de não mais errar. É um ato de humildade, pois tornamos explícito aquilo que realmente somos e que não gostamos. É um ato de coragem, pois traz a semente da mudança. É um ato de entrega, pois vem acompanhado da necessidade de nos reconciliarmos com Aquele que nos gerou. Como na parábola do filho pródigo, o filho desgarrado deixou o Reino do Pai para correr mundo, perdeu tudo, sofreu, arrependeu-se e voltou. Na volta é recebido de braços abertos pelo Pai, que sempre esteve e sempre estará de braços abertos para todo aquele que retomar o caminho do Reino de Deus. Sem reprovações. É desse perdão divino que Jesus falava: por um lado a misericórdia absoluta e incondicional do Pai, por outro lado o reconhecimento do filho de que, sem o Pai, nada faz sentido.
A misericórdia de Deus está sempre presente e sempre ao nosso alcance. Estamos face a face com ela em todos os dias de nossas vidas. Basta querer, basta pedir e, principalmente, basta nos abrir para ela. E é justamente neste último ponto que se resume todo o problema. Abrir-se para a misericórdia divina, ou nas palavras do Mestre, ao perdão de Deus, exige que eliminemos todas as barreiras espirituais: egoísmo, vaidade, interesses mesquinhos; e principalmente: ódios e ressentimentos, em relação ao próximo, em relação à vida e até em relação a Deus. Exige que saibamos perdoar o erro alheio, livrando-nos do amargor que turva nossa consciência espiritual. Por isso mesmo que Jesus disse:
“Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares que teu irmão tem algum coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; só então vem fazer a tua oferta” (Mateus, 5: 23-24).
Não há, portanto, como nos reconectarmos com o Paraíso perdido se trazemos o inferno em nossos corações. Por isso é essencial que aprendemos a perdoar o próximo.
O último ponto tem a ver com o perdão a si mesmo. Já foi dito que quando pedimos perdão a Deus é porque estamos arrependidos por uma falha cometida ou observada em nossas almas. Numa certa medida, o arrependimento pode ser considerado como um lampejo de consciência espiritual. Um detonador para as mudanças necessárias em nosso ser. A partir daí podemos seguir o caminho da regeneração ou ficarmos na estagnação; neste último caso, estaremos dando asas ao remorso ou a tortura de si mesmo. Nesse ponto exercitemos nossa criatividade e imaginemos um outro desdobramento para a passagem do capítulo 8 de João. Divaguemos: No momento em que Jesus diz: “aquele que tiver sem pecado que atire a primeira pedra”, um a um dos acusadores começa a se retirar. Mas eis que a mulher grita para todos: “Não. É preciso que todos cumpram a lei, pois quero pagar meus pecados”. Certamente que esse acréscimo soaria estranho. Por quê? Estamos aí diante de um rigor que ultrapassa o próprio rigor de Jesus e de Deus. A mulher estaria chamando para si uma punição auto-infligida, a qual não foi determinada pela Justiça Divina. Ao contrário do ato de pedir perdão a Deus, estaríamos diante de um caso de orgulho daquela mulher, pois que ela não quis se submeter à vontade do Pai, mas sim à sua vontade. Seria um ato de covardia, pois mais difícil que morrer por um pecado é viver tendo que extirpar aquele pecado de si. É um ato de revolta consigo mesmo, pois não acredita em sua regeneração. Embora o fim proposto para a passagem descrita seja um tanto absurdo é impressionante a quantidade de pessoas que tomam a mesma decisão ao perpetuarem seus sofrimentos através de atitudes de pessimismo, baixa auto-estima, fatalismo diante da vida e até de busca pelo sofrimento, de maneira consciente ou inconsciente ao gerarem distúrbios psicológicos e físicos. Conforme nos diz Joanna de Angelis , somente uma atitude mental amorosa é capaz de parar as engrenagens da doença que se instalam em decorrência dos distúrbios da consciência de culpa. Ou seja, a autopunição gera mais sofrimento que poderia ser evitado com a simples atitude de se comprometer com a reforma de si mesmo, continuando a trajetória rumo ao Reino de Deus. Para isso, o primeiro passo é perdoar a si mesmo. Perdoar a si, não significa ser condescendente com os próprios erros, caindo nas malhas da auto-piedade, mas sim reconhecer seus erros e limites e buscar cultivar aquilo que tem de melhor. Ou ainda, conforme dito pelos espíritos: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más” .
De tudo que foi dito devemos sempre nos lembrar que o Deus que os espíritas e os verdadeiros cristãos, em geral, cultivam é aquele que semeia amor e não ceifa esperanças. É aquele que levanta e não arrasa. É um Deus vivo que vive agora neste momento e ouve e se comove com as minhas dores, com as suas dores, mas que não quer que fiquemos caídos no chão, pois nos dá a mão todas as vezes que falhamos e nos convida a prosseguir, sempre. Ele só pede uma única coisa: que sejamos capazes de receber seu amor. Como? Conforme foi descrito: abrindo-se para a misericórdia divina, através do perdão ao próximo, de si mesmo e da prática da caridade. Lembremos, para tanto, do trecho final da célebre oração de São Francisco que nos fala diretamente ao coração:
“Ó Mestre, Fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna”.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O exemplo de Maria

autor Thiago D. Trindade



Talvez, dentre as figuras bíblicas, a pessoa que mais tenha sofrido fora Maria. Não que ela tenha sofrido espancamentos físicos, nem privações quaisquer de ordem material. Maria, porém, como toda mãe, amava imensamente seu filho, Jesus. Desde o nascimento daquele que viria a ser o Cristo de Deus, em meio à extrema pobreza da Terra, entre os simples animais e humildes pastores, Maria sabia que seu filho tinha uma missão especial.

Certamente ela não fazia idéia de como iria se concluir a Missão de seu gentil filho. Intraduzível fora o suplício dessa mãe ao ver a criança que gerara na fuga e que vira crescer no exílio ser traído, abandonado e levado ao mais terrível flagelo que se conhecia até então. Por estas razões, Maria tinha tudo para odiar: os antigos companheiros de Jesus; os homens do Império que sabiam da inocência Dele e o condenaram; os invejosos do Sinédrio. Até mesmo Deus poderia ter sido alvo do rancor daquela mulher, uma vez que ela poderia ter considerado, em seu desespero, que o Criador havia abandonado o Messias.

Mas não.

Maria fora – e é – a mãe de Jesus, mas também fora sua pupila e no momento excruciante da Verdade interior dessa humilde mãe, ela acabou por vencer as amarras de escuridão que tinha dentro de si.

Maria não permitiu que a escuridão a tomasse e transformou-se em luz. Sigamos, pois, seu exemplo e enfrentemos as dificuldades com Fé e certos que nada é em vão.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Lobos

autor Thiago D.Trindade

Ao estudarmos o perfil de três dos Apóstolos de Jesus: Levi, Zaqueu e Saulo, encontramos uma similaridade padrão entre eles, diferentemente aos demais Auxiliares do Cristo, nos tempos da implantação da Boa Nova na Terra. A riqueza material e o privilégio governamental junto ao império Romano.

Os dois primeiros eram ricos publicanos, ou seja, eram de uma odiada classe da população judaica, muito próxima aos romanos. Dentre as atividades que executavam, a principal era a cobrança de impostos.

Desde que o mundo é mundo, cobrar imposto não é uma atividade pacífica. Até mesmo nos dias de hoje, onde a “Lei dos Homens” se faz “presente”, vemos casos de violência psicológica e até física, este último ilegal, entre devedores e credores.

Nos tempos bíblicos, era comum a ameaça física por parte dos funcionários dos ricos publicanos.

Levi, frio e calculista, assomava-se sobre os pobres judeus na coletoria.

Zaqueu, como o mais rico dos publicanos de Jericó, era o mais odiado.

E Saulo, que tinha o nome romanizado e gozava de status junto ao império? Caçador de cristãos, áspero e beligerante, não media esforços em obter o que desejava.

Esses três eram lobos. Feras implacáveis que se escoravam nas Leis dos Homens para acumular bens terrenos.

Calma aí! Zaqueu anunciou pagar o valor quadruplicado caso fosse encontrado algum erro em suas contas. Ele afirmava isso, mas, sem querer chamar ninguém de equivocado, quantas pessoas Zaqueu apresentou para atestar tal fato? Após o Gólgota ele não só dividiu, mas se desfez completamente de seus bens terrenos. E mais, é bem verdade que esse homem, era muito simpático à Boa Nova, mesmo antes de conhecer Jesus, mas certamente, era exatamente igual a seus pares publicanos no início de sua “carreira”.

O foco da reflexão é o que esses três faziam para viver:

Eram judeus com acordos com império e gozavam privilégios proibidos a grande maioria do povo, mesmo pelos ricos.
Eram temidos e desprezados.
Certamente eram violentos para prosperarem.

E daí?

Foram impactados pela simplicidade e despojamento que eram adornados docemente pela grandeza de Jesus.

O Mestre incitou Levi a acompanhá-lo de forma direta (Lucas, 6: 27 e 28).

O Cristo, convidando-se à casa de Zaqueu, escandalizando a todos, jantando na casa do poderoso publicano (Lucas, 19: 1 - 10).

O Doce Carpinteiro, interrompendo abruptamente, a perseguição de Saulo a cristãos em Damasco e pondo-o, cego e debilitado, sob a proteção de Ananias (Atos, 9: 1 – 19).

Levi e Zaqueu conviveram diretamente com o Mestre.

Saulo, que sofreu o maior “choque”, não chegou a isso, mas sua Fé foi tremenda, a ponto de sacudir o mundo gentio.

Os lobos se acabaram.

A transformação foi tão profunda nos três que mudaram seus nomes.

Mateus, Matias e Paulo.

Cada um, dentro de suas limitações, pôs o “pé na estrada”. Fizeram o possível, sempre recordando de como eram antes de conhecer o Mestre e como suas vidas ganharam novo e luminoso significado com os Ensinos sobre o Amor Universal.

Mas sofreram. Foram incompreendidos e perseguidos.

Pela Lei da Ação e Reação, passaram por dificuldades iguais às que impuseram a outros quando eram ainda ignorantes. Mas o Esclarecimento que obtiveram com Jesus deu-lhes forças para perseverar, ainda que com eventuais tropeços.

Pedras lhes foram atiradas.
Suas casas de auxílio foram queimadas.
Prisões os ameaçavam.

Tentações que chamavam descaradamente os velhos lobos, acorrentados nas entranhas do íntimo dos Aprendizes de Jesus, à tona.

Não podemos imaginar o que esses três sentiam quando eram vilipendiados.

Mas a cada ataque de outros lobos, os mansos cordeirinhos se tornavam mais fortes.

A violência da matéria não podia contra a mansidão do espírito que eles desenvolviam.

Mateus, Matias e Paulo venceram, respectivamente, Levi, Zaqueu e Saulo.

Os Homens Novos brilharam a partir das cinzas dos Homens Velhos, cujo mérito foi se permitirem Amar.

A larga inteligência desses homens, antes usada para o acúmulo do vil metal, foi direcionada para o lucro espiritual, não só para si, mas para todos que estavam em seu redor – o mundo.